Daniel Vinicius Ferreira
Recentemente, o Coritiba anunciou a contratação de Paulo Mosimann (“Foguetinho”) como diretor de comunicação do clube. Foguetinho tem uma carreira respeitável e notável na crônica esportiva local; também na comunicação. Ele é formado em comunicação social e marketing. Entretanto, não é especialista na área de comunicação em clubes de futebol de 1o nível, no Brasil. A preocupação é que esta contratação seguiu um padrão parecido com duas contratações anteriores: a de Paulo Thomaz de Aquino (para o departamento de futebol, na coordenação de preparação esportiva) e de Aldo Malucelli (para a direção de marketing). Eis a razão deste texto.
Sigamos.
Mas contratações com padrão parecido porque:
1)Todos eles estiveram envolvidos diretamente na campanha da chapa “Coritiba Ideal”: Foguetinho como assessor de comunicação da chapa. Aquino e Malucelli como candidatos (eleitos) ao Conselho Deliberativo (com histórico, inclusive, já dentro do próprio Conselho do Clube).
2)Nenhum deles tem especialidade no futebol, como formação, para onde vão atuar. Em que pese o histórico de Paulo Thomaz Aquino no futebol do Coritiba (e de seu pai, Ely Thomaz de Aquino, também no Coritiba, décadas atrás), ao que consta ele é formado em administração. Já Aldo Malucelli, que é certamente um empresário e profissional muito reconhecido da área, também não é especialista em marketing esportivo.
Com todo respeito que os ilustres senhores merecem, e isso inclui logicamente os seus perfis como profissionais e respeitáveis currículos. Mas falando de forma objetiva: que clubes trabalharam nos últimos anos? Que cursos fizeram? Que publicações/pesquisas apresentaram?
O desconforto é que essas contratações não me parecem estar em sintonia para um modelo que se elege sob o "cartaz empresarial”, por dois motivos:
1o motivo
Ao empregar profissionais não especialistas em cargos diretivos e coordenadoria - considerando o ambiente extremamente competitivo e "hiperespecializado" em clubes de primeiro nível que existe hoje - vejo o risco de estarmos abrindo mão de elementos fundamentais para profissionalização em alto nível do clube, como por exemplo:
a)o conhecimento profundo (teórico e empírico) do que se faz e do que já foi tentado nos outros clubes. Isto poderia ser entendido, também, como a visão panorâmica da área, a “última palavra” ou até “benchmarking”;
b) a participação nos principais eventos da área;
c) os últimos estudos/pesquisas específicos realizados naquela área estratégica em que serão diretores/coordenadores.
O mundo corporativo não se orienta fora desses elementos na escolha de profissionais líderes. Ou seja, busca-se geralmente aqueles que reúnam comprovadas habilidades de saber e prática, o que se chama de “competências”. É isto que lhes permite dar as “diretrizes” e “coordenadas” em termos de ferramentas e paradigmas de gestão de primeira linha. Inclusive para propor algo que efetivamente possa ser “inovador” na respectiva área. E lembremos, só há uma forma de fazer nosso “pouco dinheirinho” render mais que a “concorrência”: mais conhecimento. Aí estaria a tal “vantagem competitiva”.
2o motivo
É em relação à “cultura institucional”. Ficou célebre nos círculos coritibanos a expressão “amigo dos amigos”, em um passado recente em uma situação lamentável. Evidentemente, não é o mesmo caso, mas a raiz me parece a mesma: uma cultura que derrapa no que deveria ser mais formal e impessoal; que lembra círculos fechados de sociedades pretéritas onde a noção de “bem comum”, isonomia e merecimento não existiam (ou eram muito fracos). Uma permanência ainda em muitos clubes e instituições do nosso país. E que se diga, algo bem "dessintonizado" da sociedade atual. A referida cultura é o avesso daquilo que temos por "cultura do mérito", uma demanda (que todos sabemos) extremamente urgente pro clube.
No mundo corporativo, quando se quer romper e difundir uma nova “cultura organizacional” (e aqui falamos de mérito) isso geralmente acontece muito a partir da figura e do protagonismo das lideranças (como os diretores e coordenadores). Como profissionais, eles são o modelo, as referências e o exemplo objetivo. A “inspiração” e os pontos difusores de uma cultura que vai percorrer toda a instituição. Inclusive dentro de campo.
A reconstrução do Coritiba, hoje, certamente demanda muito apoio e união. Entendo que o apoio à instituição também pode ser feito na forma da crítica positiva, nos limites de um questionamento amistoso, propositivo e do bem comum. Qualquer pretensão de "politicagem" ou “polêmica” passa longe deste texto. Nem contra, mas muito menos a favor. O posicionamento é pelo clube. Sei que há um sentimento de reconstrução e mobilização hoje, que é muito importante. Sei também que seria injusto cobrar qualquer coisa desta gestão que acabou de assumir. Torço obviamente muito pelo grupo de Follador, que de fato me parece à altura do desafio que temos. Mas não consigo abrir mão de um papel crítico, que considero minha responsabilidade como sócio e torcedor do clube, para que efetivamente consigamos reconstruir um clube forte. Sendo assim, prefiro errar pela cobrança mas não pela omissão.
Com algum esforço, é claro que seria possível também fazer uma “leitura otimista” dessas contratações, pensando que nossos “novos líderes” não deixam de ter boa capacitação e representam (sobretudo) figuras de confiança do núcleo diretivo; que vão se cercar de pessoas especialistas nas áreas, fazendo funcionar o tal “sistema” de “gestão circular”, integrada aos “comitês estratégicos” e “comissões de conselho”: afinal, esta foi a proposta amplamente (e incansavelmente) divulgada pela chapa “Coritiba Ideal” durante o período eleitoral.
Tenho visto, também, muitos amigos, que tem um bom entendimento de “bola”, animados com a reconstrução do nosso departamento do futebol. Esta é a área chave do nosso clube, ou como se diz: o nosso “core”. E pelo que entendo, foi no processo de mercantilização de futebol (mais acentuado desde a década de 90), que não conseguimos obter domínio sobre esta área, sobre este “processo” fundamental de funcionamento do nosso clube. Sempre dependendo de um apanhado de diretores de futebol, técnicos, jogadores que se “encaixavam” (ou não) no nosso bolso (muitos sem identificação)...enfim uma reunião recorrente de “peças misturadas” a cada temporada, sempre funcionando para o imediato (que às vezes deu certo, mas muitas vezes não), sem refletir uma filosofia sistêmica e sem um modelo de clube e até de negócio. Sem construir um paradigma nosso, com princípios sólidos e profundos, com nossa "cara" e "dna". O que nos permitiria mais consistência, autonomia esportiva e financeira, nesse campo disputadíssimo.
Pensando assim, torço então, que possa ser o departamento de futebol o “núcleo” difusor dessa cultura especializada, competente e profissional dentro do clube, que depois vá se replicando em outras áreas, caso inicialmente isso não se verifique com ênfase fora daí. De fato, nosso clube é futebol! Eu diria, 90% futebol!
Então, se pudesse efetivamente pedir algo aos novo dirigentes coritibanos, através deste texto, lhes diria:
Empresários, acertem no futebol!!!
Para finalizar, acredito que implantar esta “cultura do mérito” não será plenamente conquistada sem a democratização da instituição. Acredito que o que dará consistência, força e “alma” a essa transformação será a conexão com a sociedade e toda a comunidade coritibana e curitibana. Aliás, também proposta da Coritiba Ideal.
Vamos em frente! Reconstruir este Gigante!!!
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)