COXANAUTAS
O site dos Coxan@utas entrevistaram com exclusividade o meio-campista Mozart, Campeão Paranaense em 1999 e que atualmente está jogando pelo Reggina (ITA).
Mozart estava passando as suas férias no litoral paranaense e gentilmente abriu as portas de sua casa para uma entrevista exclusiva, que será publicada em duas etapas (dias 14 e 21 de junho).
Na entrevista Mozart contará diversas passagens de sua vida profissional, relembrando a campanha vitoriosa de 1999, a infra-estrutura do Coritiba, sua ida à Seleção. Mozart também fez uma análise sobre o futebol brasileiro e mundial.
Confira a primeira parte da entrevista.
Você poderia contar sua trajetória e em especial o titulo de 1999 ?
Eu cheguei no Coritiba em julho de 1998, numa negociação que o Gralak fez com o Bordeoux. Na época o Gralak tinha uma divida com o Bordeoux e pegou meu passe como pagamento. Daí joguei a Copa São Paulo pelo Coritiba em 1999 e acabando a Copa São Paulo fui levado para o time de cima do Coritiba.
Comecei a jogar como lateral-esquerdo. Lembro até hoje meu primeiro jogo no Couto, foi contra o Cerro Porteño, no primeiro amistoso do ano. O treinador Mauro Fernandes me colocou de lateral porque tinha apenas um lateral-esquerdo e ele me improvisou e eu como estava iniciando, tinha vontade de jogar. Oonde ele me colocasse eu jogava.
Minha primeira oportunidade como titular do Coritiba foi na Copa do Brasil contra o Fortaleza e eu lembro até hoje que eu pensei que havia sido meu primeiro e ultimo jogo com a camisa do Coritiba, pois acabei sendo expulso naquele jogo, porém ganhamos de 3x1, nos classificando pelos dois gols feitos fora de casa que davam a vaga ao visitante.
Pensei que seria meu último jogo por ter sido expulso logo numa estréia. Mais daí teve um AtleTiba, o professor Mauro Fernandes me deu outra oportunidade, fui bem, nós acabamos perdendo, mais ele gostou da minha atuação. Depois daquele jogo, com uma seqüência de jogos acabei me tornando titular do Coritiba.
Lembro que após o AtleTiba fomos jogar com o Avaí pela Copa do Brasil. Fui muito bem, mais pelos maus resultados o Mauro Fernandes acabou sendo mandado embora e chegou o Abel Braga, na metade do campeonato paranaense. Tínhamos um bom time, só que faltava alguma coisa. Pela média de idade do time elevada não conseguíamos conciliar a Copa do Brasil com o Paranaense, o motivo de alguns maus resultados pelo paranaense era isso .
Com a vinda do Abel, introduziu a filosofia dele, o que na minha opinião foi fundamental, por ele ser um treinador que motiva muito os jogadores, da muita moral pro jogador, esse foi um fator fundamental na conquista de 1999.
O nosso time, na minha opinião, era superior ao A. Paranaense e o Paraná, A chegada do Abel foi importantíssima em relação a esse sentido, a motivação que ele passava aos atletas, dava confiança e nós saímos de uma situação adversa, principalmente na final aonde o Paraná tinha a vantagem dos empates e revertemos no Couto, e depois os dois jogos, na Vila Olímpica e no Pinheirão, quando a gente saiu perdendo de 2 x 0 e conseguimos empatar. Principalmente o segundo no Pinheirão aonde o Darci falou que ia entrar e ia fazer o gol e acabou fazendo.
Para mim foi o primeiro título pelo profissional e com certeza acabou sendo o mais marcante, sendo pelo Coritiba, meu time desde menino, pois sou de Curitiba, do Boqueirão. O Boqueirão que é praticamente inteiro Coxa-Branca. Foi mais um motivo que deixou este título como sendo inesquecível.
E a experiência internacional? Qual a principal diferença entre o futebol brasileiro e o futebol europeu?
Tem bastante diferença. Sempre é aquilo que estamos acostumados a falar: o calendário que eles começam dia 29 de agosto, esse ano vai terminar dia 30 de maio e isso pode ter certeza que vai acontecer.
O pagamento dos salários: o campeonato acabou dia 16 de maio e eu recebi salário até junho já, em cheque pré-datado, mais todos os salários, isso é uma coisa que no Brasil poucos clubes fazem.
O sindicato dos jogadores que é muito forte, se o jogador tiver algum problema ele não precisa recorrer a advogado, nada. Se ele for inscrito na seleção de jogadores profissionais ele tem toda assistência de advogados, tem tudo, uma coisa que no Brasil não tem, o jogador não tem essa assistência, se ele tiver algum problema com o clube vai levar vários anos para se resolver.
O respeito que a torcida tem. Na Europa a torcida tem muito respeito pelo jogador, é o mesmo fanatismo que existe no Brasil, só que com um pouco mais de respeito. Então se você for mau num jogo, o time não vai bem, mais a torcida vê que você está se empenhando, que você está correndo atrás. Pode perder de 3 x 0 que você pode ir pra casa tranqüilo, pois o torcedor vai estar satisfeito com o seu trabalho.
Digo que se o jogador se empenhar ele tem esse respeito sem o perigo de ser agredido. Outra coisa é o estádio lotado, eu acompanho o campeonato brasileiro pela Globo Internacional e a média de pagantes é 5.000, 10.000, a média do meu time é de 28.000 pessoas todo jogo.
Em agosto a torcida já compra para o campeonato inteiro, o estádio tem capacidade para 30.000, então temos o estádio cheio o ano inteiro, independente do jogo o estádio está lotado. e o profissionalismo em geral, eu senti muita diferença quando sai do Flamengo para ir jogar na Itália, porque no Coritiba as coisas eram organizadas. No Flamengo era uma bagunça danada, não existia vestiário para se trocar, água fria pra tomar banho.
Então eu senti muita diferença, tanto que eu fui criticado no meu início no Flamengo justamente por isso. Sai do Coritiba, que é um clube organizado, um clube que te da todas as condições, tem CT, tem o estádio pra você jogar, tem um ônibus bom que te leva pra uma viagem e no Flamengo não tinha nada disso. Isto foi um dos fatores que tornou minha adaptação muito difícil foi esse. Depois fui me adaptando, mais no começo foi isso.
Daí do Flamengo fui pra Itália e voltei mais ou menos à mesma realidade, pois lá é um futebol mais organizado, que eu já tinha encontrado no Coritiba, tinha encontrado na França. A diferença é essa, pois jogar é a mesma coisa em qualquer lugar do mundo, só que lá é mais pegado, falam que eu sou faltoso, mais as jogadas que eu chego lá o árbitro deixa seguir, de falta não tem nada.
Num jogo entre Vélez e Boca Jrs por exemplo, o árbitro quase não marca falta em lances de contato físico, deixando os lances ocorrerem, o que amplia o tempo de bola em jogo. É assim também na Itália?
Lá a concepção é de que no futebol existe muito contato e não é qualquer contato que existir que é falta. O que eles marcam é falta por trás, puxar a camisa, falta cometida pelo último homem. Agora carrinho de frente, carrinho pelo lado eles mandam seguir, até porque o futebol é mais corrido, é muito mais jogado, pois não para toda hora.
Eu acompanho alguns jogos no Brasil, gosto de ver o Santos jogar, mais tem alguns jogadores do Santos que poderiam ser melhores do que são e não se adaptariam hoje ao futebol Europeu por esse motivo, seguram muito a bola, qualquer esbarrão é falta, caem.
Por isso o Kaká se adaptou muito bem na Itália, pois ele caía, levantava, não era um jogador de ficar rolando no chão muito tempo igual ao Diego por exemplo?
O Diego é um grande jogador, mais ele prende muito a bola e cai demais; já o Kaká se adaptou bem porque é um jogador mais forte fisicamente, parece que nasceu para o futebol italiano: domina toca, joga quase sempre de primeira, é um jogador rápido. Ele teve muita facilidade e se adaptou e outros jogadores terão muito mais problema se vierem jogar na Itália no futuro.
Você comentou sobre o jeito de jogar na Europa. Hoje em dia a gente vê no futebol um Once Caldas ineditamente campeão da Libertadores, uma final inédita na Eurocopa entre Portugal x Grécia, um Santo André campeão da Copa do Brasil. Como você analisa esse panorama de mudanças ou enfraquecimento das grandes potências do futebol perante aqueles que são menores?
Na minha concepção é organização. Na final da Copa do Brasil o time pequeno foi o Flamengo. Basta comparar a estrutura do Santo André que dá de mil a zero no Flamengo, pois o Flamengo não tem lugar pra treinar.
Já o Santo André com certeza tem seu CT, paga os salários dos jogadores em dia. Pode pagar dez mil reis - tem jogador no Flamengo que deve ganhar cem mil reais , mas quantos meses ele está atrasado? O jogador do Santo André prefere ganhar dez mil e receber em dia e vai entrar em campo despreocupado com suas contas pagas, sua família numa cidade legal, abre a geladeira e está cheia pra seus filhos comerem, então joga tranqüilo, é só organização.
O Once Caldas também deve ser um clube organizado, não conheço, mas para ganhar alguma coisa tem que ter organização.
E hoje em dia não cabe mais no futebol brasileiro um time que está devendo 30 milhões de reais pro INSS igual o Flamengo, não existe mais isso. Para conquistar algum título ou crescer dentro do futebol brasileiro tem que ter organização. O maior exemplo disso é o São Caetano, hoje em dia nenhum clube do Brasil quer enfrentar o São Caetano.
Recentemente vi o Coritiba jogar contra eles e acabou ganhando, mais é um time organizado que nos últimos 5 anos chegou em varias finais como a do Brasileiro, Libertadores e sempre está entre os primeiros. É um time que paga suas contas - não sei o teto salarial - mais acredito que eles não paguem salários enormes. Mas o que eles prometem e o que tem no contrato eles cumprem, acho que isso é importante para os resultados.
Já na Eurocopa o futebol está nivelado. Portugal sempre teve seleções boas, mas nunca teve um algo a mais para ser campeão. Agora chega o Felipão, que na minha opinião é um excelente treinador. Todos dizem da estrela do Felipão, mais eu acredito que seja competência. Um treinador que ganhou tudo o que ele ganhou tem é competência. Portugal sempre teve bons times e nunca chegou, mais com o Felipão viraram vencedores, chegaram a final da Eurocopa com méritos. Como o time da Grécia esse ano é um bom time.
Qual a diferença do passe do jogador no Brasil e na Europa?
A lei do passe na Europa é igual a Lei que o Pelé introduziu. O problema é que a Lei Pelé foi criada agora e na Itália sempre foi assim. Para o Brasil melhorar vai levar algum tempo ainda. Eu por exemplo tinha um ano para vencer o contrato, acabava no campeonato 2004/2005 e eles (Reggina) prolongaram-no até 2007, porque eles investiram em mim. Acabaria meu contrato e eles corriam o risco de acabar o campeonato e eu pegar meu passe. Por isto eles prolongaram-no mais dois anos. É mais ou menos assim que os times da Europa fazem.
Já no Brasil essa Lei está prejudicando os jogadores. Meu irmão é jogador e está desempregado, está difícil arrumar um clube, é muito complicado, está muito mais difícil que alguns anos atrás. Não sei se é por causa da Lei do Passe, mas foi uma mudança drástica que nós não estávamos preparados para absorver tudo isso. Eu acho que vai dar certo. Se na Europa dá certo, porque no Brasil não iria dar certo? Só que é preciso um pouco mais de tempo, não é de um dia para o outro que isso acontece.
Mas o futebol não vai mudar em nada mudando a Lei do Passe?
Eu acho que não, pois na Europa funciona assim e os clubes não têm problemas.
Você falou na quantidade de torcedores no estádio, mais com certeza essa não é a única fonte de recursos que os clubes tem para manter os seus contratos. Como é que é na Europa o relacionamento jogador-patrocinador?
Na Europa você tem que estar sempre à disposição do patrocinador, para eventos, fotos, esse tipo de coisa, está no seu contrato tudo isso.
O intermediário para esse seu contrato é o clube?
É o clube. Quando você assina seu contrato já existe uma cláusula que você tem que estar à disposição do patrocinador. O jogador pode ter seu patrocinador pessoal, como chuteira, material esportivo em geral. Mais se o clube determina que você tem que viajar para participar de uma campanha , um evento, você tem que ir.
Isso não é diferente do Brasil. Qual é a chave do sucesso financeiro desses clubes?
A crise também chegou na Europa, mas é uma crise diferente e aconteceu justamente pelos altos salários dos jogadores. A maioria dos clubes estão renegociando os contratos com os jogadores.
A transmissão do campeonato é vendida para o ano todo; o dinheiro da TV que é muito grande. No caso, o meu clube é um clube pequeno-médio, mais por ter uma torcida muito grande recebe como um time grande porque muita gente compra os direitos para assistir os jogos.
O salário que você recebe é diferente do Brasil. No Brasil você tem direito de imagens, salário na carteira, lá na Europa existe um contrato, eles pagam “x’ pra você e “x” para o governo, está tudo na carteira você não recebe por fora. O meu contrato é assim, tudo que eu recebo é liquido; o clube retém e repassa o paga o imposto de renda.
Por que falam que o Zico que saiu da Europa porque não pagava o imposto de renda?
Porque no contrato dele não estava livre de imposto de renda e ele não sabia disso, não era como eu. Quando ele quis ir embora teria que deixar 47% do salário, esse foi o problema que ele teve.
Quando você faz seu contrato hoje em dia já está escrito “Neto” (valor líquido, descontado o valor relativo ao imposto de renda). Aí o clube que tem que arcar com as despesas.
Estão tentando criar uma lei da Itália para diminuir esse custo pro clube, pois ele é alto, se ele te paga um milhão por ano, ele na verdade paga dois milhões, pois metade é imposto de renda, é muito alto.
A Europa é conhecida por tirar jogadores da América do Sul, da África. Como são as categorias fundamentais do seu clube?
Tecnicamente são fracas. Justamente por isso eles contratam jogadores de fora. O Brasil tem a grande vantagem, a da matéria-prima. Todo ano entra jogador, sai jogador. Já na Itália, onde eu jogo, não existe essas peças de reposição que têm aqui. Então o Brasil, se não acontecer nada de errado, ganha duas ou três Copas (do Mundo) seguidas tranqüilamente.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)