Arquibancada
Já alguns anos passo umas horas da tarde com minha mãe. Às vezes socorrendo, às vezes dando só atenção, conversando, rindo, brigando, sempre com uma ou duas xícaras de café que sai na hora. Antes fazia meu pai que já se foi, depois minha mãe fazia e agora faço eu. É programa de final de tarde e não apareça pra ver.
Dona Luiza já faz o caminho de volta. Aos 85 anos, bem perto dos 86, precisa ser olhada como criança. Às vezes tratada como uma delas. Não pode mais ficar sozinha. Com muita dificuldade para se locomover, um andador e uma bengala são seus apoios e auxílios para circular apenas dentro de casa. Não pode mais ousar suas caminhadas de kms pelo bairro e arredores, como fez até bem pouco tempo. E isso a consome brutalmente. Não poder mais pintar, arrastar os móveis pela casa, limpar, lavar, e passear, chega a ser uma crueldade com quem teve como marca registrada a atividade fosse o que fosse. Por isso talvez peça com alguma insistência pelo fim da vida, até com alguma frequência ultimamente.
As pernas se arrastam, perderam a mecânica natural e isso tira o pouco do humor que consegue colocar na vida. É muita limitação para quem sempre foi agitada.Consegue achar alguma graça pela vida com os filhos e netos. Às vezes também nas peripécias que inventa, sem que a gente saiba, mas que ultimamente acabam ficando pelo meio do caminho, absolutamente por falta de força. A cabeça pede, mas o corpo não obedece mais.
Com o Coritiba, se relacionou até há alguns anos, quando conseguia saber como as coisas andavam pelo Alto da Glória, acompanhando os noticiários de tv e rádio. Do jeito dela, discutindo soluções com quem se apresentasse como entendedor de futebol.
Nos seus melhores tempos, se junto ao meu pai, formando aquele volume enorme de gente em torno do Couto Pereira, nas tardes de domingo, em dia de Coritiba quando na disputa por alguma competição que, se não trouxe a vitória pra casa, certamente viu o que tinha de melhor do futebol. Também a convivência com seu maior ídolo, Krueger, que até bem pouco tempo, lhe mandou flores no dia das mães.
Há quase 50 anos, perdeu um filho para o câncer, que ao lado dela e de meu pai, viu os melhores tempos de um Coritiba vencedor. Foi o auge da carreira de Krueger que por conta da doença de meu irmão, virou amigo da família.
Do titulo Brasileiro de 85 a qualquer outro disputado no estadual, fugia das transmissões esportivas de rádio ou tv, se trancando em seu quarto, com vela acesa, orando, pedindo ajuda aos santos, proteção e inspiração a quem quer que naquele momento estivesse vestindo a camisa do Coritiba.
Na década de 90, foi logo querer saber quem era aquele atacante chamado Brandão, que certamente honraria o nome sendo goleador Coxa naquela temporada.
Chorou, se emocionou, se alegrou, se entristeceu muitas vezes com o Coritiba.
Sempre que a memória deixa, em nossas tardes de café, me pergunta : “o que há com o Coritiba, filho? Nas primeiras vezes tentei explicar, mas sem que fosse capaz de entender que aquele Coritiba dos anos 60 e 70, já não existe mais. Que o futebol mudou e que o Coxa também já não é mais o mesmo. Às vezes ela esquece e mistura o Coritiba daquela época com o de agora.
Ainda hoje, quando percebe que o Coxa vive o momento de alguma partida decisiva, se fecha em seu quarto, e em oração ainda pede pelo Coritiba.
Helena, minha filha de 8 anos, ainda acha alguma graça no futebol, mas de outra forma. Não viveu e nem sabe o futebol que perdeu jogado naquele tempo da avó. Vive os tempos de um Coxa diferente que até agora só lhe trouxe tristeza. Uma geração de torcedores que anda sumindo do Couto Pereira. Uma responsabilidade que os recentes presidente não tiveram.
O clube foi se apagando para duas gerações bem opostas. Uma por nunca ter visto um time vencedor e a segunda porque ficou mal acostumada com vitórias.
Presidente Samir, veja só a responsabilidade que estou lhe entregando, pedindo que me ajude a recuperar o interesse destas duas gerações, pelo nosso clube. Uma que apesar da idade e das lembranças que já falham, ainda acha que pode ter alguma alegria com o time, neste final de vida. A outra querendo ter esta relação com as vitórias, mas apenas por intuição. Porque ouvi dizer que isso é possível. Porque a avó, o pai e toda a família sempre tiveram isso e falam sobre isso com brilho nos olhos.
As duas parecem apostar que ainda podem ver um Coritiba vencedor.
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Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)