Arquibancada
Helena é minha companheira nos jogos do Coritiba. Tenho um filho bem mais velho que ela, mas não foi tantas vezes ao estádio comigo, como Helena tem ido.
Jogo com Helena é jogo dela. É sair de casa sabendo que teremos uma tarefa diferente. Não há saco de pipoca, sorvete, que transforme este compromisso como num passeio ao parque. Nada é mais importante que o Coritiba. Apesar dos seus 5 anos, sabe disso.
Aprendeu na arquibancada. Vendo o pai, seus amigos, suas conversas, seu nervosismo, sua vibração. Assim Helena também ficou.
Mas sabe que ainda precisa entender. Observa, depois pergunta. Mesmo com um saquinho de pipoca na mão, não tira a atenção do campo.
As linhas brancas que marcam o campo de jogo, área, meia lua, duas áreas, semicírculo na entrada da área, ¼ de círculo na bandeirinha de escanteio, fizeram parte das explicações preliminares neste sábado, na partida contra o Grêmio. Arbitragem, uniforme, nomes de jogadores... atletas novos que acabam de chegar...
Ainda não chegou ao requinte de discutir impedimento, falta, um gol bonito ou um pênalti, mas sabe o suficiente sobre eles.
Seus olhinhos brilharam no primeiro gol, o de Galhardo. “ E foi um golaço, filha”! Yes, reage ela, dando um soquinho no ar. Já sabe quando é hora de gritar gol. Imita os adultos que se abraçam nestas horas com gritos e beijos.
Ainda sem entender muita coisa, vai se armando de perguntas, durante o jogo. Que são despejadas assim que algum lance mais agudo permita. Percebe a jogada de ataque e sabe que é um momento importante e se está falando algo, para e espera a conclusão do lance.
Jogo com Helena é o jogo dela. O preparo começa em casa, no dia anterior, com planos previamente estabelecidos. Ela ouviu em algum lugar que o Coxa usaria um uniforme novo nesta partida contra o Grêmio. De longe não percebeu a sutil mudança nas listras verdes horizontais. Esperava mais. Depois, na saída, precisou ver na camisa de alguém a diferença. Não fosse assim, me sobraria a opção de lavá-la na loja do estádio para mostrar a camisa nova mais de perto.
Helena tem 5 anos e desde os 3 coleciona sabonetes. Sair com ela e entrar em algum lugar com sabonete para venda, pode ter o pedido de reforço para a coleção. Já foi mais entusiasmada com a coleção, mas ainda não resiste a um Phebo colorido, com cheiro diferente. Hoje só os mais difíceis e não muito comuns. A coleção está espalhada por diversas bolsinhas e mochilas. Acho que chegam a mais ou menos uns 100. Como gosta muito de cores, sempre achei que fosse o maior apelo, mas descobri que as escolhas são feitas também pelo cheiro. Sabonete precisa ser colorido, de cheiro forte e diferente. Numa gondola de mercado, cheia de sabonetes, é como dona de casa escolhendo frutas ou verduras. Precisa pegar e dar uma cheiradinda.
Dentro da Mochila que levamos ao Couto, no Sábado, lápis de cor, um pacote de biscoito e casaco para o frio do Couto, que sempre pega depois das 6 da tarde.
Vamos cedo, para ter a opção de escolha de lugar. Precisamos nos acomodar com espaço para suas coisinhas, caso o jogo não esteja tão atrativo assim (é que ultimamente este risco é muito grande).
Na chegada, um cordão de funcionários nos espera e faz a recepção. Homens para um lado, crianças e mulheres do outro. Na havia ninguém na nossa frente. Helena ganha atenção redobrada. Fico no cercadinho do lado. O moço pede que abra a mochila. Faço o que ele manda. Entre papéis de desenho, lápis, casaco e um pacote de biscoito, lá no fundo dez sabonetes nos olham com cara de quem também veio ao jogo. O rapaz da segurança me olha, pensa um pouco e diz: “Sabonetes... o senhor não pode entrar com isso. Pensei – pronto, fui flagrado com um carregamento clandestino de sabonetes, e nem é meu. Como dizer que é da minha filha. “Ahhhh, a coleção de sabonetes da Helena também veio ao jogo” – digo meio sem graça. Se você tocar neles, se impedir a entrada deles, você é um homem morto, arrematei ao pobre segurança que estala o olho, sem entender direito o que quero dizer. Explico que se trata de uma coleção da minha filha e sei lá porque, ela decidiu também trazer ao jogo. - “Ou você acha que isso é meu e trouxe para jogar no bandeirinha ou no árbitro”. Ele sorri e me deixa entrar com o carregamento de dez sabonetes.
Tenho mais de 50 anos de Couto Pereira. Nunca imaginei assistir Coritiba e Grêmio, numa tarde fria de sábado, com minha filha, acompanhados de uma coleção de sabonetes.
Como deram sorte, voltam ao Couto no próximo jogo em casa.
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