Arquibancada
Sempre com muita dificuldade financeira em casa, com o dinheiro mais do que contado, não me sobrava um tostão pra ver o Coxa. O dinheiro era para a escola, roupas e comida. Isso foi lá pelo fim dos anos 60, começo dos anos 70. Eu com pouco mais de 15 anos, enlouquecido pelo Coritiba, com muitas limitações de acesso ao estádio, que na época se chamava Belfort Duarte. Meu pai conseguia me levar ao campo uma ou no máximo duas vezes por mês. Às vezes menos.
Dia de jogo ficava em frente aos portões para pelo menos ouvir o grito da torcida. Eram os 90 minutos, vivendo aquela fantasia, imaginando o que acontecia lá dentro. Comigo uma turma completava o time dos “do lado de fora”.
Com o tempo muitas táticas foram sendo desenvolvidas. Uma delas - a primeira - foi espreitar pelas frestas dos portões. Como éramos todos do mesmo tamanho, havia revezamento. Algumas destas frestas davam uma boa visão do gramado. Dava perfeitamente para acompanhar boa parte das partidas. Isso só era possível no grande portão da Amâncio Moro. Foi antes da construção dos dois anéis.
Outra alternativa era uma árvore, quase na esquina da Mauá com a Amâncio Moro. Quem chegasse cedo arrumava o melhor lugar. Era uma árvore velha, que não suportava muita gente. Aquilo não durou muito tempo. Além de poucos galhos que acabavam servindo de arquibancada, a gente se mexia demais, e dependendo do jogo, alguns chegaram a despencar lá de cima. Com o tempo, a árvore e o portão foram sumindo. Taparam as frestas e a árvore foi arrancada dali.
Voltamos a nos contentar apenas com o barulho da torcida que vinha lá de dentro. Não era sempre que a gente arrumava prazer naquilo, mas muitas vezes apenas o fato de estar ali, de sentir a energia que vinha lá de dentro, nos fazia feliz.
Mais tarde ousamos mais. Acreditem, na Ubaldino do Amaral, atravessávamos a casa do padre, o vigário da Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, que dava fundos com o estádio. Eu e uma turma invadia o terreno, passando por um galinheiro, para lá na frente alcançar o muro e sair finalmente quase já nas arquibancadas, nas sociais. Era uma operação arriscada. Não só pela invasão de uma área residencial, mas também pela altura do muro. Algumas vezes isso deu certo. Assisti muitas partidas lá dentro, pulando o muro pela casa do padre.
Outro segredo apenas experimentado por mim e um amigo, e que deu certo apenas três vezes, foi entrar no estádio com os jogadores. Nesta época um ônibus com todos os atletas chegava da concentração e estacionava na Mauá. O acesso era feito pelo último portão, o mais próximo do vestiário dos fundos. Como muitas vezes aquilo tinha sempre muito torcedor tietando, a operação era feita o mais rápido possível e nós tirávamos proveito daquilo. Apenas uma portinhola do grande portão era aberta. Eles faziam isso rápido e o funcionário do clube nem olhava direito para verificar quem estava entrando. Nesta correria a gente se infiltrava se misturando com os jogadores e se passando por um deles, ganhava acesso às arquibancadas. Na última vez, não conseguimos escapar do fluxo que era quase um cordão que eles faziam, e acabamos dentro do vestiário. Fomos descobertos e a operação foi um fracasso naquele dia. Além do mico de ser convidado a se retirar, esta operação nunca mais pode ser repetida.
Enfim, nos sobram poucas destas muitas opções para assistir o jogo de domingo contra o Santos. Não recomendo nenhuma delas, até porque quase todas são impossíveis de serem executadas nos dias de hoje.
Sugiro ficar em casa mesmo e assistir pelo payperview que oferece mais conforto e segurança. Com nenhuma destas loucuras para se aventurar: nem de cair de uma árvore, nem de ser preso por invasão domiciliar e de não "pagar o mico" de ser retirado de dentro do vestiário.
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