Arquibancada
Lá pelos meus 15, 16 ou 17 anos, entrava no Couto Pereira -acho que ainda Belfort Duarte, pelo portão com o ônibus que desembarcava os jogadores. Eu e mais um amigo, nos misturavamos com os jogadores que desembarcavam do ônibus, na Mauá.
Do grande portão à esquerda, havia uma portinhola por onde eles acessavam o estádio e já à esquerda, um outro portão de acesso ao vestiário. Só de dividir espaço com eles e se misturar com Jairo, Hermes, Oberdan, Cláudio Marques, Krueger, Zé Roberto, era sensação impagável. Não tinha dinheiro para o ingresso e ver o Coritiba era o que nos movia a esta "infração".
Aquilo acabou sendo feito por vários caminhos porque nem sempre a gente conseguia enganar o porteiro, se misturando com os jogadores. Fomos barrados algumas vezes. Até que um dia a nossa tentativa ficou manjada e não deu mais.
Antes da construção das arquibancadas da Amâncio Moro, havia uma árvore na esquina com a Mauá. Dali, bem do alto, era possível ver grande parte do campo, mas era arquibancada para uma ou duas pessoas. Dia de jogo grande, duas horas antes a árvore-arquibancada já estava ocupada.
Anos depois um grupo grande de torcedores descobriu o que nos colocou dentro do estádio por anos: a casa do padre, na Ubaldino do Amaral. Ali moravam os padres e seminaristas da Igreja Perpétuo Socorro. Na frente, a casa com um jardim bem grande e um quintal enorme para finalmente chegar ao muro do Couto.
A tarefa era um pouco mais árdua que a portinhola da Mauá e da árvore. Primeiro precisava passar pelo jardim da casa e sem fazer barulho alcançar a lateral que finalmente nos levava aos fundos, um quintal com um galinheiro bem populoso. As galinhas geralmente ajudavam não fazendo barulho (talvez porque se acostumaram com os silenciosos moleques, andando na ponta dos pés, sem incomodar as aves. É que a gente queria mesmo era só ver o Coxa jogar. O segundo obstáculo era a altura do muro. Primeiro vencer a escalada. Chegar no topo era uma tarefa inglória. Alguém sempre fazia escadinha e empurrava pra cima. O último sempre tinha uma tarefa mais complicada. A terceira tarefa era pular lá de cima ( devia ter uns 4 ou 5 mts de altura). O pulo tinha que ser no momento certo da passagem dos policiais que faziam ronda por ali.
Isso tudo vencido, a última etapa da façanha era correr até o fundo do estádio e se acomodar na arquibancada com cara de santo. Uma vez fui tão rápido que um policial me pegou no flagra do pulo, mas não me alcançou. Infelizmente o cara não entendeu a minha alma guerreira, foi atrás, me identificou entre os demais torcedores e educadamente me convidou a deixar o estádio pelo portão mais próximo que era o da Amâncio Moro.
Aquele Coritiba dos anos 70 não cabe mais neste formato de hoje, da SAF, das catracas de bilheteria com leitor ótico, sem muros, portões e portinholas de madeira, sem árvores. Um gigante de concreto armado, como dizia Lombardi. Onde só se aproxima do estádio quem passa por um filtro bastante rigoroso.
Este filme fez parte dos meus sonhos, sonhado com minha filha Helena, no sábado contra o América, nas quase duas horas de espera, sentado na arquibancada fria, molhada do Couto, antes da partida começar. Uma contagem regressiva feita antes da inesquecível vitória, comemorada até horas depois, quase como um título daqueles anos inesquecíveis.
Com uma bagagem desta, como não sair do Couto sem voz, mas feliz da vida
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