Arquibancada
Nas décadas de 60 e 70, o futebol da capital se alimentou de muitos craques do interior. O destino era Coritiba ou Atlético, principalmente o Coritiba, que na época foi o que são hoje os clubes gaúchos, mineiros e paulistas. O Coxa era o sonho de consumo de todos os atletas que se destacavam na única vitrine que existia, o Campeonato Paranaense.
Terminar a temporada na capital, principalmente no Coritiba, era o auge da carreira de muitos deles.
Alguns tiveram passagem rápida e decolaram pra São Paulo, considerado o segundo ponto de parada, mas geralmente a maioria aqui ficava. Uma situação muito diferente de hoje. Naquela época ficavam mais tempo, alguns muitos anos.
Os olheiros tinham tiro certeiro, mas não precisavam ir muito longe e com menos trabalho descobriam o que trazia muita alegria aos estádios. Eram muitos talentos que proliferavam nos campinhos de várzea, na suburbana e outro tanto já como profissionais. Quase sempre saiam sabendo o que procuravam, porque o Campeonato Regional era o alvo, onde descobriam muitos deles já jogando como profissionais.
Jogar contra os times da capital não era referência porque todos cresciam diante das partidas contra o Coritiba. Era preciso dar incertas nas partidas menores, nos confrontos considerados pequenos.
A história que ficou mais famosa foi da dupla caipira, Paquito e Abatiá, que azucrinaram a vida dos times da capital nos anos de 68 e 69, quando o Coritiba levantou o bi-campeonato, porque aqui a qualidade também se chamava Coritiba. Os dois vieram parar aqui, depois de uma jogada de mestre do presidente na época, Evangelino Neves.
Paquito tinha disputado o paranaense de 68 e 69, pelo União de Bandeirantes, e foi o artilheiro do campeonato com 22 gols. No ano seguinte, Paquito arrumou Tião Abatiá como parceiro. E tudo aquilo não foi por acaso, porque o União também tinha Serafim Meneguel, famoso conhecedor dos bastidores do futebol daqueles saudosos anos. Paquito e Abatiá fizeram muita história ainda pelo União, até que vieram parar no Coritiba, estreando no Brasileiro de 1971.
A diretoria do Coritiba se antecipou a todos os outros clubes que também queriam a dupla, chegando antes e acabou contratando os dois, reforçando o time para o segundo semestre, quando teria o Campeonato Brasileiro pela frente. A dupla caipira chegou como a grande contratação daquele ano.
A estreia foi contra a Portuguesa, com vitória Coxa por 2x1, com um gol de cada um deles.
Mas seria uma outra partida celebre que ficaria na história como a grande marca de Abatiá até hoje. Foi contra o Atlético Mineiro, algumas rodadas depois, no dia 3 de outubro daquele ano, no Belfort Duarte.
O Coritiba vencia o jogo, com um bonito gol de Paquito, marcado no segundo tempo. O jogo estava terminando quando tudo começou.
O Coxa atacava para o gol dos fundos. Hidalgo que tinha a bola, lança Paquito, que faz o passe na esquerda para Abatiá, que encara a marcação e entra na área driblando. Abatiá faz fila driblando um, dribla o segundo, ainda passa por mais um, até que chega no goleiro Renato que também é driblado. Renato tentou consertar, pondo fim à festa de Abatiá, mas não conseguiu... tomou mais um drible. Restou a ele proteger o ângulo, mas completamente batido, fica sem saber o que fazer.
Abatiá sem ângulo para chutar ao gol, acaba cruzando na medida, na cabeça de Leocádio, que cabeceia em direção do gol vazio, mas a bola passa ao lado, indo para fora. Se ainda vivo, Leocádio deve lembrar até hoje, se lamentando de não ter feito
aquele gol.
A esta altura, a torcida já toda de pé, e apesar de gol que não foi feito, aplaudiu a jogada e não parou mais de bater palmas até o apito final da partida.
A imagem correu o mundo e virou cena de abertura de programa esportivo da época.
Hoje, 47 anos depois, o mesmo Campeonato Paranaense, tem outros protagonistas, outra história, outro Coritiba. Hoje chamamos o regional de laboratório, menosprezamos uma competição que já teve seu glamour, e que parece mesmo fadado ao fracasso e quem sabe, nos próximos anos, alcance a extinção.
O futebol mudou, mudaram os personagens e seus comandantes. Quem tentar fazer o caminho contrário, está sujeito a sumir junto com ele, o campeonato regional.
O futebol virou um grande negócio, onde talentos como Paquito e Abatiá, já não importam tanto assim, porque figuras como eles, não existem mais. Sumiram do interior, com a capital precisando cada vez mais do futebol daquela qualidade.
Com quase 50 anos depois, o futebol até sobrevive sem estes talentos, mas bastante da sua graça acabou se perdendo. Era quase mambembe, uma diversão também do pobre que conseguia juntar dinheiro durante a semana para na tarde de domingo assistir um belo espetáculo.
Hoje, sem qualidade, ficou caro e algumas vezes até perigoso e chato, dentro e fora de campo. Mas continua sendo apaixonante, ainda arrastando muita gente aos estádios. Hoje chamados de arenas que ficaram suntuosas, sem o espaço popular.
Com ou sem Paquitos e Abatiás, o Coritiba ainda é um dos poucos clubes que consegue preservar um pouco da sua magia, por conta da sua centenária história, com um Belfort Duarte que, mesmo hoje se chamando Couto Pereira, consegue me dar a esperança, de quem sabe ainda este ano, ver um time de valer a pena o ingresso pago.
Porque sou o torcedor que ainda sonha!
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