Arquibancada
É possível medir o talento de um atleta de futebol por vários caminhos. Um deles pode ser avaliando os fundamentos. Se o cara domina os fundamentos, já tem um bom começo. Entra com o pé direito. Mas os fundamentos são o quê? Cabeceio, passe, toque, lançamento, jogar de cabeça erguida, tocar a bola sem olhar pra ela, habilidade com os dois pés?
Um dos novos, entre os seis recém chegados no Coritiba, Fábio Braga, concedeu uma entrevista no mínimo curiosa que me fez refletir muito sobre este tema.
Mesmo que Fábio Braga não possa ser classificado como uma contratação de peso, digamos que pode ser classificado como um jogador que veio para compor o elenco, e que em algum momento pode ser útil. E aí temos uma questão levada em conta por poucos treinadores. Para uma temporada longa e difícil como a brasileira, é preciso ter ELENCO, onde além de onze titulares, pelo menos mais uns três atletas possam ajudar, sem que o time sinta a falta de quem está saindo.
Fábio foi ouvido estes dias por um repórter de rádio e entre as respostas que deu, uma delas me chamou muito atenção. Perguntado sobre suas qualidades, disse que é capaz de jogar como primeiro e segundo volante e que entre suas principais características está a saída de bola com qualidade, com um porcentual de acerto considerado bom, se a gente levar em conta a média do que vemos por aí, imagino eu.
Salientou que DIFICILMENTE erra passe de curta e média distância. Imediatamente me veio uma imagem: no meu futebolzinho de moleque, até o período da adolescência, nos campinhos de terra, ou na rua, e até nos lugares onde fiz teste, no Coritiba, Pinheiros e Juventus, nas décadas de 70, errar passe era coisa de grosso. Passe de 3 metros fazia parte da lista de fundamento primário. Ou o cara sabia ou nem se atrevia a jogar futebol. Era vergonhoso errar assim, tão grosseiramente, a uma distância tão curta.
Saída de bola era obrigatória para qualquer posição da linha média para trás, inclusive para o goleiro. Jogar no gol era o caminho inevitável de quem não tinha talento nos pés. Mesmo assim, precisava aperfeiçoar o toque com os pés, porque muita saída de bola começava por ele.
Coisa que vimos por algum tempo, quando o Coritiba teve até recentemente aquela famosa jogada com saída de bola de Wanderlei com Rafinha. Nascia do lançamento do goleiro e terminava lá na frente, com apenas um passe,colocando o atacante na cara do gol adversário.
Mas voltando no tempo, naquela época não havia mesmo grosso jogando bola. O cara que se metesse a jogar bola, precisava saber o mínimo do fundamento.
Havia sobra de talentos. O espaço para os recém chegados era difícil, não existia muita chance e por isso o nível de exigência era muito maior que o de hoje.
No entanto, Fábio Braga chega no Coritiba anunciando que dificilmente erra passe de curta distância, como sua principal característica. Não gostaria de recepcioná-lo assim, tão grosseiramente, mas se preciso dizer algo sobre isso, diria que seu cartão de visitas não foi dos melhores. Vou mais além, Fábio me assustou ao revelar o que sabe fazer com uma bola nos pés. Mas também sou capaz de levar em conta a coragem dele. É que muitos não revelam seus números, que geralmente são assustadores. São donos de um escalte que muitas vezes pode significar o fim de uma carreira. Muitos, quem sabe a maioria, mais erra do que acerta. Fábio pelo menos mais acerta do que erra, segundo seu próprio escalte.
Mas meu caro, Fábio! Saiba que isso ainda é pouco. Não devem ter lhe falado, mas estamos acostumados com muito mais que isso. É verdade que estamos nos desacostumando rapidamente, mas ainda somos uma torcida chata e exigente.
Tá certo que sua geração talvez não seja capaz de entender o que quero dizer. Mas seu pai, Abel Braga, pode. Aproveite a aproximação que você deve ter com ele, e tire o que puder de informações sobre o futebol jogado nas décadas de 60 e 70. Não precisa ir tão longe: até mais recentemente, na década de 80 e começo de 90, quando ele mesmo jogou, tinha gente ainda trabalhando com alguma coisa parecida com o futebol daqueles tempos.
Assim, você logo verá que este seu ponto forte, naquela época, não lhe daria nada além de um período de testes, com aquela turma.
O futebol é para todos. Tem lugar para todos. Nem que seja na arquibancada, apenas torcendo. Mas ousar jogar, ser o centro das atenções, o foco dos refletores, é lugar para poucos. Por isso, nós da arquibancada, merecemos mais respeito. Não nos queira mal, apenas nos acostumamos a ver um outro futebol. Aliás, aquilo era futebol, o que andam jogando hoje, deveria ter outro nome.
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