
A Turma do Vô Coxa
Coluna de Giovani Zilli do site da Turma do Vô Coxa
Esta é uma estória longa de uma longa história. Trata dos sonhos, as ansiedades e das vidas humanas. O leitor deve se perguntar, então, o que isso tem a ver com o Coritiba? A resposta é simples: - fala de apaixonados Coritibanos.
Vinte anos atrás, ano de 1989, rua Raul Joaquim Quadros Gomes, n. 57, Condomínio Horizontal Costa Brava, bairro Tarumã, Curitiba, Paraná. Lá viviam crianças saudáveis e de bom nível econômico que tinham, dentre várias qualidades individuais, um amor único, comum, o Coritiba Foot Ball Club.
Vinte e sete de agosto, domingo, seis horas da manhã, e eu me debatia na cama, pois não conseguira dormir um minuto se quer aquela noite. Contava naquela época com um pouco mais de 13 anos de idade. Estava demasiadamente ansioso, do mesmo modo como havia estado em outras duas ou três madrugadas das semanas que antecederam aquela longa e interminável noite.
Lembro-me como se fosse hoje do momento em que levantei, rapidamente troquei de roupa, coloquei minha única e surrada camiseta do Coxa e saí para a rua, no intuito de comprar o jornal. Na cabeça uma idéia fixa, a de saber notícias sobre o jogo de logo mais, no estádio Couto Pereira. Seria a primeira vez que eu estaria no estádio acompanhando aquele clube que vi campeão brasileiro pela televisão ser campeão na minha presença. Quanta felicidade!
Saio de casa e vejo meu grande e inseparável amigo, José Ângelo Proença Zoldan, popularmente conhecido como Zézão. Este nem mesmo conseguia disfarçar a angústia que se encontrava. Seus olhos, que já eram fundos, estavam sumidos na escura e densa olheira que se formava no entorno. Pelo visto aquela noite não tinha sido ruim apenas para mim!
Na Av. Victor Ferreira do Amaral, onde havia uma padaria, compramos o jornal. No caminho de volta conversávamos sobre a fogueteira que havíamos encomendado com um garoto baloeiro, que morava na nossa rua, uma quadra abaixo. Não me recordo seu nome completo, mas lembro-me que o chamávamos de Marcelo Baloeiro. Ao passar pela casa dele, quanta alegria, a fogueteira estava pronta, exatamente da forma que havíamos combinado. Lembro-me de quantas migalhas juntamos durante semanas, nos preparando para comprar a matéria prima que formaria o instrumento de comemoração do grande título estadual.
E quão barulhentos foram aqueles foguetes!!!
Naquele ano nosso estimado Coritiba estava completando redondos 80 anos. E nós éramos os campeões paranaenses, detentores de um time magnífico, vibrante, que nos levaria facilmente ao nosso segundo título nacional.
Quantos planos, quantos sonhos!
Éramos uma turma de garotos unida pela paixão maior, a Santa Bola. Respirávamos futebol, vivíamos para jogar futebol. Ao meio dia chegávamos da escola, almoçávamos, e lá estávamos nós, uns oito garotos, comprometidos com nosso maior vício, a pelada nossa de cada dia (que nunca costumava terminar antes de se escurecer tanto que não se pudesse mais enxergar a pelota – a qual era feita de qualquer coisa).
Claro que dentre nossos amigos havia alguns sofredores atleticanos, os quais eram motivo diário de chacotas, já que seu fabuloso time não contava com um terço de torcida que tínhamos, que jogava no famigerado estádio da Federação, que não era campeão brasileiro e que nunca almejaria sê-lo. Coitados, como sofriam, como era miserável as suas existências!
A paixão pelo futebol unia garotos, amigos inseparáveis, que só se dividiam às vezes, quando algum dos poucos atleticanos vinha arrotando a sua costumeira arrogância (calcule, eles eram piores antes de terem o que têm hoje). Mas nos adorávamos mesmo assim. Jogávamos futebol na rua, na pracinha da Av. Nossa Senhora da Luz, nos portões das casas em frente ao nosso condomínio, na rua de baixo, no pátio do condomínio, no ponto de parada da lenta e demorada linha de ônibus Itupava/Hospital Militar.
Outros pontos marcantes daquela paixão eram as confusões que nos envolvíamos por causa de bola. Acabávamos quebrando freqüentemente o ponto de ônibus, amassando carros, quebrando vidros, brigando com moleques de outras ruas, nas violentas pelejas que fazíamos, em nome da rivalidade local. Também amassávamos os portões dos vizinhos da frente, tanto que a bola batia naquele gol improvisado.
Aliás, personagens inesquecíveis saíram das peladas diante dos portões alheios. Um deles está no fato de que o nosso portão predileto era o portão de um sisudo e mal humorado advogado, o Dr. Túlio. O Dr. Tulete, como carinhosamente fora apelidado, era uma figura ímpar, pois, além de odiar a molecada da rua, era o único cidadão que eu conhecia que era fanático torcedor do Colorado. No mais, este enchia a boca para falar que era procurador do Tribunal de Justiça Desportiva, fato que nos impunha ao menos um pouco de respeito pelo dito senhor. Da nossa ingenuidade não tínhamos a menor idéia de como eram (são) xingados ditos procuradores. Coitado do Dr. Tulete.
No outro portão, também bastante utilizado para a prática de nosso hobbie, uma família que acabava de se mudar para aquela localidade. Ao menor sinal de não haver alguém em casa pronto, lá estávamos nós. Tratava-se da família Salgado. Após, passados poucos meses, os dois garotos daquela casa já estavam ligados à peleja diária, jogando bola no seu próprio portão (mesmo que diante do sério risco que isso envolvia, de se ver a Tia Neuza gritando com a garotada).
Lembro-me de inúmeras vezes, quando ficávamos sentados nos bancos que havia dentro do nosso condomínio. Conversávamos até tarde da noite, quando os pais já não aguentavam mais chamar e vinham pessoalmente buscar os garotos. Falávamos horas e horas sobre futebol. E nessas conversas, naquele magnífico ano de 1989, é que surgiram várias conversas sobre o nosso centenário; conversas, estas, que acarretaram na presente narração.
Eu e o inseparável Zézão, assim como por vezes com outros amigos, como o Henrique Abad Balid, Marcelo Passos Brustolin, o Ênio Salgado; às vezes os garotos das ruas de baixo, como o Marcelo Baloeiro, o Marcelo Pão Com Ovo, tratávamos de assuntos relacionados com a grandiosidade do nosso amado Clube, o Coxa. O Coritiba era o nosso Deus, nosso motivo de viver, nossa maior paixão.
Nos assuntos relacionados ao Coritiba e aos seus 80 anos surgiram muitas conversas em relação ao tão esperado centenário. Nunca me esqueço do dia que eu falei essas palavras ao Zéo: “Eu terei 32 anos de idade, quase 33”; “quantos títulos nacionais nós teremos?”; “o que será que estaremos fazendo da vida quando chegar o centenário?”. Por vezes aquilo me parecia tão longínquo que eu até mesmo chegava a duvidar que estaria vivo. E pensava: “como eu estarei velho quando chegar o nosso centenário”.
1989 acabou sendo um ano para se esquecer. Eu e o Zé, na reta inferior da Mauá, presenciamos de perto a invasão pelo tapume de construção do fosso, a agressão ao ídolo Rafael e a nossa queda para a segundona. Quanto assunto havia para as rodas de discussão futebolística! Lembro-se de alguém dizendo que se pudesse espancaria aquele tal de Ricardo Teixeira (já tínhamos noção das coisas, apesar da pouca idade).
Passa o tempo. Cabeçada do Berg. Queda para terceira divisão. O surgimento de uma potência (nos parecia intransponível). Vice-campeonatos estaduais. Toninho Cajuru e sua cabeçada aos 46 do segundo tempo. O retorno de um sonho. A roubalheira em Campinas. O atletiba de páscoa. 1995, a volta.
Durante esse tempo, em que se passaram os anos, as rotinas diárias continuavam as mesmas. Molecada, bola e COXA. Nada abalava o sonho, nada destruía a grandiosidade daquele Clube (o melhor do mundo). Tínhamos uma carteirinha mágica, que a FPF fornecia aos menores de 16 anos. Íamos a todos os jogos, absolutamente todos. O Zé, diga-se de passagem, tornou-se uma celebridade local, por ter sido um dos gatos pingados que formou um dos menores públicos (ou o menor, não sei) da estória do Couto Pereira, num jogo do Pinheiros contra o Matsubara. Idolatrada carteirinha! O futebol ao alcance das mãos.
Alguns dos amigos foram se mudando. No final de 1995 a vida me separou dos amigos e do Coritiba. Havia ido morar em Santa Catarina, onde fiquei até 2002. Vinha às vezes a Curitiba e sempre que aqui estava não perdia a oportunidade de estar no estádio. Como na final do paranaense de 1999. Dez anos sem títulos. Um grande alívio. Mas os amigos já não estavam mais comigo. Estava sempre sozinho nos jogos do meu glorioso Coritiba, assim como sozinho estava quando perdemos um jogo de 4x0 para o Cruzeiro, dando certeza da queda, em 2005 (quantas lágrimas me correram o rosto naquele momento).
Vinte anos passados e aqueles sonhos se renovam a cada dia. Para as perguntas já existem respostas. Não fomos campões brasileiros de lá para cá, assim como ganhamos apenas mais quatro campeonatos paranaenses. Mas e daí? Podemos sonhar com os próximos 20 anos, contando com a certeza que seremos, sim, campeões. Mas se não formos? Não tem importância, como não teve importância no decorrer dos últimos vinte anos, já que não deixamos de sermos adoradores desse Clube.
Hoje estamos todos separados, pois a vida fez com que cada qual tomasse seu rumo, seguisse sua vida da forma que cada um escolheu para si. Não vejo com freqüência meus antigos amigos, não converso sobre futebol com aquelas maravilhosas pessoas.
Desses citados amigos todos nós somos sócios do Coritiba, todos nós somos extremamente ligados a esse Clube. Eu e o Cássio somos sócios das inferiores e membros do Conselho Deliberativo, o Zé é sócio da arquibancada, o Ênio, o Marcelo e o Rique, sócios das cadeiras superiores. A vida pode ter nos afastado, mas jamais afastará o Coritiba de nossas vidas, pois ele faz parte de nós, está em nós, assim como já está em nossas famílias, esposas e filhos, que nos acompanham ao estádio e lá vibram como nós. E, mais, nosso amigo Cássio formou este site sobre o Coritiba (www.vocoxa.com.br) onde publica os sensacionais quadrinhos que faz sobre o Coritiba (fotos do Ênio e colunas do Zé).
Na vida somos todos diferentes. No amor somos iguais, pois trazemos da infância uma paixão que jamais esfria, um amor que jamais se deixa abalar.
Não tenho como narrar 100 anos do nosso amado Coritiba, mas certamente posso falar sobre 20 anos desse clube. 20 anos da minha vida, a qual sinto se confundir com esses últimos 20 anos de Coritiba, já que esse amor é incondicional, como amor o fraternal, o qual sinto que perdurará para todo o sempre, por toda a minha vida.
Obrigado, Coritiba.
Parabéns, querido Vovô!
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