Bola de Couro
Gosto de tomar vinho. Tinto. Um carménerè, um malbec, um merlot e até um cabernet sauvignon são excelentes acompanhamentos para uma refeição. O prazer de um bom vinho tinto com uma boa massa, por exemplo, é supremo. Quase que religiosamente tomo um cálice às refeições e um pouco mais quando de alguma festividade. Da cerveja já não gosto tanto, mas em dias muito quentes tomo alguns copos, desde que bem gelada, e não no horário das refeições, pois nunca consegui combinar bem essa bebida com a comida. Mas ambas bebo de forma moderada, tendo aprendido que a moderação é fundamental para o prazer de beber.
Posto isso, para desde já afastar possível pensamento de que eu possa ser algum fundamentalista contrário ao uso de bebidas alcoólicas, vou tentar demonstrar, com breve síntese, porque sou contrário ao retorno da venda de tais bebidas nos estádios de futebol.
Por primeiro, embora não pretenda me estender sobre o assunto em razão do direcionamento deste blog ser quanto a futebol, e não para elucubrações jurídicas, observo que toda a discussão sobre a edição de lei municipal autorizativa do consumo de bebida alcoólica nos estádios poderá ser vã, uma vez que a Lei Federal nº 10.671/2003, o Estatuto do Torcedor, prevê que:
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
...
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;
E lei estadual ou municipal, pelo princípio da simetria, não pode contrariar lei federal quando esta é editada nos limites da competência da União. Tanto é assim que o Procurador Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5112) perante o Supremo Tribunal Federal, visando a Lei nº 12.959/2014, do Estado da Bahia, que permitiu a venda de bebida alcoólica em praças desportivas daquela unidade federativa, sustentando, dentre outros argumentos, que a competência para editar legislação a respeito é exclusiva da União
E limitando a discussão a razões de conveniência, o aspecto fundamental, segundo quem tem conhecimento técnico e completo do assunto, é o da segurança pública. Isso é que dizem os expertos, tais como a Polícia Militar, o Ministério Público e o Poder Judiciário, órgãos que detêm não só competência, mas principalmente conhecimento e dados sobre a violência nos estádios ou seu entorno com o uso e abuso da bebida alcoólica e que já se manifestaram nos meios de comunicação de Curitiba. Suas posições contrárias são baseadas em fatos que já enfrentaram e não em meras conjecturas.
Em Porto Alegre, cidade que pode ser usada para comparação, pois tem tamanho e características aproximadas a Curitiba (embora esta já tenha ultrapassado aquela em população), muito antes da legislação que vedou a venda de bebida alcoólica nos estádios e implantou os Juizados do Torcedor, um projeto-piloto foi desenvolvido pelo Poder Judiciário visando ao combate da violência e outras ocorrências delituosas nos estádios de futebol.
Assim, mesmo antes da criação formal do órgão judiciário específico de que se trata, um Juizado Especial Criminal da capital era deslocado para os estádios em dias de jogos, com atuação do juiz plantonista, ainda que sem a estrutura de que hoje dispõem os Juizados do Torcedor, de modo que há dados para comparação.
De acordo com os magistrados Roberto Carvalho Fraga e Marco Aurélio Martins Xavier, este o atual titular do Juizado Especial do Torcedor, a diminuição da violência nos estádios foi significativa a partir da vedação do consumo de bebida alcoólica. E afirma o magistrado Xavier, “Álcool nas arquibancadas é combustível para a violência”.
Dizer, como já li e ouvi, que de nada adiantaria proibir a venda no estádio, pois os violentos já bebem nos bares do entorno, parece-me um sofisma. Alguém pode acreditar que, se liberada a venda dentro do estádio, os torcedores que têm tal prática deixarão de beber antes? Certamente beberão antes e durante os jogos e aumentarão o “combustível para a violência”.
Sem dúvida nem todos e nem a maioria, pois há quem saiba beber. Mas, assim como acontece em diversos setores da vida em sociedade, a repressão não pode ser setorizada e nem elitizada. Sei, os justos pagam pelos pecadores. Mas não é assim em todos os controles sociais? Quando os valores coletivos são fundamentais, como é a segurança pública, todos nós temos que nos submeter a regras restritivas e limitativas. Sem isso não haveria contrato social.
Como disse, gosto de tomar um bom vinho e às vezes até uma cerveja. Mas se necessário consigo ficar horas ou dias sem a ingestão e não entendo porque, salvo o ébrio contumaz, não é possível se abster por duas ou três horas quando dos jogos de futebol em nome da paz coletiva.
Saúde!
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