Bola de Couro
Interrompi férias para tratamento de saúde e, desobedecendo ao cardiologista – que não lê os Coxanautas, nesse caso ainda bem – descumpro a recomendação de temporariamente só repousar para fazer uma análise que entendo obrigatória em face da responsabilidade que penso ter para com os milhares de Coxanautas que acessam o site. Trata-se de enfrentar o “imbroglio” referente à cessão/requisição do estádio Couto Pereira para que o rival, mantendo sua costumeira atitude de sobreviver e crescer sugando o trabalho alheio - tal como fazem as hienas que em maior número expulsam a leoa para comerem o que ela caçou - mande seus jogos durante o campeonato paranaense que logo se iniciará em nossa casa.
E me manifesto a partir da afirmação que li, emanada pelo eminente Dr. José Cid Campêlo Filho, diretor jurídico do rival, profissional cuja capacidade jurídica é sem dúvida reconhecida no Estado do Paraná e a quem homenageio por tal. Mas nem por isso, como espero demonstrar, com razão ele na afirmação de que como o inciso VII, do artigo 46, do Estatuto da Federação Paranaense de Futebol não afirma que a cessão é obrigatória só para a FPF, aplicar-se-ia o brocardo “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”.
Não pretendendo elaborar um trabalho jurídico profundo – seja por talvez não ter qualificação para tanto, ou seja por falta de tempo pois o assunto urge – e por isso me perdoem os doutos que vierem a ler esta coluna, até porque sei que entre os amigos Coxanautas existem operadores do Direito. E, me perdoem também os amigos leitores que não são afeitos ao Direito, quando usar expressões que possam parecer tentativa de demonstração de erudição. Nem uma coisa e nem outra. Vou tentar, dentro das minhas possibilidades de momento, demonstrar que a interpretação do ilustre diretor jurídico rival parte de premissa válida apenas em tese, mas nem por isso aplicável. Tratou-se, como se vê no dia a dia forense, do exercício de utilizar em seu favor só o argumento que apoia a tese, esquecendo-se dos demais.
Com efeito, é princípio geral de Direito que “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”. Mas um processo de interpretação de dispositivo legal ou contratual se encerraria com tal simplicidade somente no uso desse brocardo? Evidente que não, todos da área bem o sabem, e a doutrina aponta muitos outros caminhos.
Primeiro vamos buscar o processo de interpretação gramatical, através do qual se exige o conhecimento das palavras e frases utilizadas no texto, conforme o tempo e o lugar. Aqui já se fragiliza a tese da requisição para jogos do rival como poder da FPF, uma vez que o dispositivo estatutário invocado afirma que é obrigação dos clubes ceder suas praças esportivas “à” Federação, ou seja, “para aquela”, a entidade, e não para terceiros tendo ela como interposta pessoa.
Sigamos agora, sempre de forma sumária, com outro meio de interpretação que é o da equidade, para cuja aplicação não se pode admitir “maliciosa interpretação da lei” (não vou citar o autor da expressão para não tornar o texto pedante, mas se algum leitor quiser conferir estou à disposição). Ora, se a lei entre as partes prevê a cessão “para” ou “à” FPF, entender que tal poder se estende a servir a entidade de instrumento para interesses alheios, ainda que de filiado, é dar intepretação de má-fé ao dispositivo e o Direito rejeita tal proceder.
Vamos mais longe. Ensina a doutrina que o Direito deve ser interpretado não de modo a que a ordem legal “envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis” (fonte também à disposição). Então, se o Coritiba F.C. for forçado a ceder o seu estádio, mediante o pagamento do valor irrisório arbitrado unilateralmente pela FPF (sabe-se lá o que meros R$ 30.000,00 por jogo suprirão), não se estará interpretando a norma estatutária de forma absurda, que levará o expropriado a grave inconveniência e talvez dano irreparável?
E mais. A doutrina é tranquila no sentido de que toda norma que prevê algum privilégio é excepcional e por isso deve ser interpretada sempre de forma restritiva. Por “restritiva” entenda-se, em termos simples, não ver na lei nada mais do que ela indica. Ou, como já se disse com outras palavras, se a FPF tem o “privilégio” de requisitar praças esportivas, o tem de modo restritivo, jamais ampliativo como está pretendendo. Requisitar para ela ou “à” ela como diz a norma, e não para terceiros.
Vamos finalizar estas rápidas pinceladas com alguns brocardos (princípios ou axiomas) jurídicos, já que tão ao gosto do eminente diretor jurídico do rival:
“Quando a lei quis, determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio” ou “a inclusão de um só, implica a exclusão de quaisquer outros” (fonte mais uma vez à disposição). O estatuto da FPF determinou que à ela, FPF, fossem cedidos os estádios; se quisesse que esse poder significasse a expansão para outros clubes, teria dito; se incluiu só a FPF, por evidente excluiu outros.
Desculpem amigos leitores, se estou sendo cansativo, mas vou referir mais um axioma jurídico que pode se aplicar ao caso: “Quem tem direito ao cômodo, deve sofrer os incômodos que lhe estão anexos”. Se o rival está sendo privilegiado com a comodidade de ver seu estádio ampliado e modernizado com a maior parte do custo suportado pela coisa pública, que suporte o incômodo de jogar em praça esportiva menos qualificada. É assim na vida de todos nós, independente da lei ou contrato.
Enfim, com toda a tranquilidade e responsabilidade concluo que juridicamente a FPF não tem poderes para exigir ou requisitar o estádio Couto Pereira para que neles o atlético sedie os jogos do campeonato paranaense dos quais detém o mando. E na esfera estadual, ainda que fosse o caso de deixar de lado o aspecto jurídico, não tenho dúvida de que o Coritiba tem força política suficiente para se opor à expropriação em troca das mesmas trinta moedas recebidas por Judas.
É isso. Em relação à repercussão do mesmo fato para o campeonato brasileiro da série “B”, em outra ocasião voltarei com abordagem um pouco diversa, mas desde já adianto que, se for repetido o regulamento do ano passado, a capacidade de público dos estádios exigida será de 10.000 torcedores, com o que os rubros poderão se contentar em jogar em praça condizente com a sua força.
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