Bola de Couro
Quando da edição da Lei nº 9.615/98, popularmente conhecida como a “Lei Pelé”, personalidades ligadas ao governo, inclusive o “Rei”, disseram em alto e bom som que uma das finalidades do novo diploma legal seria a de libertar os atletas do jugo dos clubes, dos quais seriam “escravos”, uma vez que àqueles pertenciam os “passes” e poderiam ser “vendidos”. Seria uma nova Lei Áurea, no exagero político da ocasião.
Demagogia barata, cujos resultados nefastos estão sendo vistos agora. Em lugar de ter o seu “passe” vinculado ao clube que o descobriu ou o lançou para o mundo do futebol, os jogadores passaram, agora sim, a serem escravos de empresários e outros que a eles se agregam. Mudaram, e para pior, somente os “donos” dos jogadores.
Antes alguns atletas eram formados pelos clubes – que arcavam com diversas despesas, tais como em relação à saúde, moradia, alimentação, etc. – ou por aqueles eram descobertos em clubes de menor expressão ou até na várzea, assumindo então a entidade esportiva direitos exclusivos sobre o jogador, os quais poderiam negociar de modo a receber valores às vezes altos (corrijam-me se a memória falha ou faço confusão: ao que lembro com a venda do passe do Dirceu grande parte do Couto foi erguida). Valores estes que eram destinados ao clube, jamais a terceiros. E o atleta nunca tinha o seu passe “vendido” se estivesse contrariado quanto a ir para o clube pretendente e se com ele não acertava os salários e as tradicionais “luvas”, figura de pagamento que vigorava.
Hoje, os clubes médios no cenário nacional (da dupla atleTIBA para baixo), tornaram-se reféns de empresários/investidores. Servem os clubes médios em parte para tentativas de promover algum atleta que pareça ter futuro, e os pequenos como “barriga de aluguel”, sendo conhecidos times inteiros de futebol cujos jogadores estão nas mãos dos tais empresários/investidores, refinadamente chamados de “agentes da FIFA”. Na primeira oportunidade que aparece um bom negócio o empresário trata de retirar ou iniciar a retirada do seu contratado, tornando as equipes instáveis e artificiais (Ipatinga, Iraty e logo ali o Londrina), em prejuízo do clube.
São estes os novos feitores e senhores de engenho. Agora sim os atletas se tornaram realmente escravos, talvez com jugo ainda maior, uma vez que, se medianos passam de clube em clube, não conseguindo nem estabelecer vínculos com as cidades onde moram ou, se despontam como craques e são cobiçados por alguns clubes, os empresários os instruem para não renovar o contrato nos últimos seis meses de vigência, de modo a poderem negociar diretamente, às vezes à socapa, ganhando ele, investidor, enquanto o clube formador ou que destacou o jogador fica com as mãos abanando.
Enfim, nesta síntese apertada em razão do espaço, não tenho dúvida de que a Lei Pelé veio a trazer mais danos do que benefícios ao futebol brasileiro, tornando as equipes instáveis, os clubes com menor arrecadação e propiciando lucros a particulares que não se evolvem na paixão do futebol. A alegria de ter um jogador por muitos anos no clube e o benefício de ambos quando alienado o “passe” desapareceram.
Quero também dedicar algumas linhas a outro ingrediente que se agregou ao futebol de alguns tempos para cá, encarecendo-o, quais sejam as assessorias de imprensa de atletas. Elas podem servir para o bem – como prontamente agiram no caso Lincoln e Botinelli, atenuando a imagem daquele perante o público – ou para o mal quando divulgam notícias sobre méritos dos seus contratados, méritos esses não tão evidentes, mas que fazem com que alguns pensem que, se os meios de comunicação estão assim dizendo, ”então deve ser verdade e eu não entendo tanto de futebol como pensava”. Em outro enfoque, vêm para o bem quando ajudam o atleta se expressar corretamente e sobre o que é conveniente dizer ou não. Mas vêm para o mal quando tiram a espontaneidade e quando fazem uma verdadeira assepsia nas comunicações, de modo a que o futebol a cada dia vai perdendo o seu encanto, pois vai ficando cada vez mais “oficialista”, sem o romantismo que sempre o caracterizou. Não é bem a hipótese, mas veja-se a mordaça que o Atlético está impondo aos meios de comunicação. Colocando-me no lugar de um torcedor rubro – calma, pessoal, é só para efeito de argumentação, nada mais – imagino como devem estar desestimulados os torcedores rubros por só poderem saber do seu clube o que este quer que seja dito.
Mas e o que teriam a ver as assessorias de imprensa com tudo o que foi escrito antes? Diretamente nada. Mas indiretamente também têm muito a ver com o encarecimento do futebol, já que são remuneradas pelos atletas. Assim, quando do acerto sobre os salários, o jogador pensa – ou é instruído – que, se deverá reservar uma parte para o seu “agente da FIFA” e outra para a assessoria de imprensa, então deve pedir mais do que o que realmente lhe satisfaz. (Tenho medo que logo, se é que já não exista, se crie a figura do assessor de imagem e vestuário, para instruir o atleta sobre como deve se vestir, que penteado ou corte de cabelo usar, se deve ou não usar brincos, etc., e então a pretensão salarial deverá ser maior...).
E quem paga tudo isso? É o clube, sim, mas tal como ocorre quanto aos impostos indiretos, ao fim e ao cabo quem pagamos somos nós, sócios que honramos as mensalidades, torcedores que vão ao estádio e pagam ingressos, os que contratam canal de TV para poder assistir ao seu time, ou aqueles que compram os produtos do clube do coração.
Pois é assim. A realidade é que nós estamos pagando terceiros e não só ao nosso clube do coração. Gostaríamos de ajudar somente a este último, mas infelizmente parte do nosso dinheiro vai para aqueles, enquanto nosso clube faz “das tripas coração” para manter as finanças equilibradas.
Tal quadro, mesmo não querendo ser pessimista, indica que futebol está indo para um mau caminho no Brasil. Os estádios não enchem, salvo raríssimas exceções, os torcedores não firmam afeto pelos atletas do seu clube e nem estes por aqueles, pois nem tempo para isso podem ter e os chamados “grandes” cada vez mais se distanciam dos médios em face das verbas de patrocínio muito maiores. Enfim, o futebol brasileiro passou a ter alguns donos, em torno dos quais giramos e aos quais pagamos.
Algo deve ser feito. O legislador já deve ter percebido o que está ocorrendo. Os clubes já devem ter mostrado a insatisfação com o quadro que vivem. O futebol é uma instituição mundial, com muito mais ênfase no Brasil, onde faz parte da cultura do seu povo. Mudanças na lei são imprescindíveis para que os verdadeiros protagonistas do futebol sejam o clube, os jogadores e os torcedores e não os estranhos ao esporte e que o estão enfraquecendo a cada dia.
A opinião dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
Cada colunista tem sua liberdade de expressão garantida e assinou um termo de uso desse espaço.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)