Bola de Couro
Como último ponto das ilegalidades nos favores financeiros que o CAP foi beneficiado e vem se beneficiando para construir seu novo estádio, passo a analisar o item que no momento tem sido talvez o mais polêmico nos meios de comunicação em face da proposta de aumento, não bastasse o generoso benefício já concedido. Na próxima coluna encerrarei o assunto indicando as medidas que os cidadãos podem tomar para tentar interromper a devassa aos cofres públicos, não que tenha algum resultado positivo como certo, pois será muito difícil, mas se não houver sucesso momentâneo talvez ele possa vir em julgamento final, ou pelo menos se estará mostrando aos poderes constituídos que a cidadania, no sentido literal do termo, não aceita tais práticas.
Antes de ingressar na análise do diploma legal curitibano que concedeu quotas de potencial construtivo ao Clube Atlético Paranaense, ficando o próprio Município com o ônus de comercializá-las como afirmou em entrevista o ilustre consultor jurídico do clube conforme citado em coluna anterior, observo que os diplomas municipais a respeito da concessão de potencial construtivo estão ligados, pelo princípio da simetria (a lei municipal não pode conceder o que a lei federal não concede), à Lei Federal nº 10.257/2001 que, de acordo com o artigo 24, I (hipótese “direito urbanístico”) e seu parágrafo 3º, prevalece sobre qualquer legislação municipal anterior ou posterior.
Assim, deve a norma municipal, de Curitiba ou de qualquer outra cidade, observar a previsão do artigo 28, da Lei Federal nº 10.257/2001, qual seja a possibilidade de permitir que em determinadas áreas o direito de construir – potencial construtivo – possa ser exercido acima do coeficiente básico adotado, mas somente “mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário”. E o Plano Diretor de Curitiba, em seu art. 60, afirma que são contrapartidas: I - execução de programas e projetos habitacionais de interesse social e regularização fundiária; II - promoção, proteção e preservação do patrimônio histórico, cultural, natural e ambiental; III - ordenamento e direcionamento da ocupação urbana; IV - criação de espaços de uso público de lazer e áreas verde e V - implantação de equipamentos urbanos e comunitários.
A concessão de quotas de potencial construtivo, conforme a referida lei federal, conhecida como Estatuto das Cidades, exige do beneficiado com quotas de potencial construtivo contrapartida em moeda ou obras, que deve ser prévia ou no mínimo concomitante e já projetada e aprovada e não futura e aleatória como previsto na outorga feita pelo Município de Curitiba ao clube favorecido. E a contrapartida, enfatizo, deve ser concreta, real e efetiva, jamais podendo ser deixada em aberto como se fez com o erário curitibano, ao qual caberia, antes de conceder o benefício, dizer se aceitava ou não o pagamento ou obras em contrapartida, o fazendo dentro dos princípios previstos pelo “caput” do artigo 37, da Constituição Federal.
Não é ilegal a concessão de quotas de potencial construtivo a empresas e mesmo entidades esportivas e nas grandes cidades é até um pouco comum. Grandes empresas que pretendem construir “shoppings centers” em áreas onde o Plano Diretor não os prevê, adquirem potencial construtivo dando como contrapartida novas avenidas no seu entorno e para o seu acesso. Construtoras pretendem erguer conjuntos habitacionais em zonas onde não são previstos e em troca se propõem a construir parques e praças para a comunidade ou pagam o valor estipulado pela municipalidade para o benefício. Até clubes de futebol que queiram erguer novos estádios podem ser beneficiados, mas desde que dando a devida contrapartida previamente projetada e aceita pelo Município. E a contrapartida, se não for dada em obras públicas – e por obras públicas se entenda aquelas que favorecem a “toda” a comunidade e não apenas a uma facção – pode ser em pagamento de numerário. O que importa é que não pode ser uma benesse do poder público, mas sim um meio para melhorar a arrecadação municipal ou para obter obras para as quais o poder público local não disponha de dinheiro. Agir em contrário é renúncia à arrecadação, é causar prejuízo à coisa pública e daí a concessão será, como é no caso, ilegal e imoral.
O CAP, através da pessoa jurídica que criou especificamente para as obras, a CAP S.A., está recebendo créditos de potencial construtivo sem nada pagar ou dar ou sem prometer contrapartida (por prometer se entenda algo concreto, objetivo, e não aleatório). Pior, para obter o empréstimo do Estado do Paraná, através da Agência de Fomento, ofereceu como garantia exatamente aqueles créditos, dos quais nem sequer ainda dispõe como mostrou o noticiário desta semana. Como os créditos de potencial construtivo serão alienados e o dinheiro reverterá à CAP S.A., se esta não pagar o generoso empréstimo já abordado na coluna anterior não haverá patrimônio sobre o qual possa recair eventual execução que não o centro de treinamentos. É um circulo vicioso, sem dúvida. Recebe o empréstimo, dá como garantia os créditos em potencial construtivo, negocia estes e aplica o dinheiro no estádio. E a garantia?
E se é difícil deglutir tamanhas ilegalidade e imoralidade, pior ainda é engolir o comentário lançado pelo mais conceituado – dentre os atleticanos – colunista esportivo local. Na coluna de ontem afirmou, embora com outras palavras, que se o dinheiro público sempre foi mal usado no Brasil, não importa que também o seja em favor do seu clube. Transcrevo: “Potencial construtivo é dinheiro público, sim. Tem a mesma natureza do dinheiro que sempre serviu como mamadeira para pagar e aposentar assessores, jornalistas e políticos, e para que sejam aprovadas contas dos pobrezinhos do interior”. Ou seja, se já se usou dinheiro público para pagar e aposentar assessores, jornalistas (quais seriam?) e políticos com a “mamadeira” que dele verte, que mal há em que o seu clube também seja "amamentado”?
Diz o ilustre jornalista e bacharel em Direito que “a questão não é jurídica ou econômica, é política”. Pois é, entre o jurídico e o político, que prevaleça este... Os alicerces das faculdades de Direito e dos Foros e Tribunais certamente tremeram. Dane-se a ordem jurídica, dane-se a economia, prevaleça o interesse político (no mau sentido do termo). E pincela a coluna com uma frase que atribui a Shakespeare, mas que tem paternidade incerta que uns dizem que seria do Millor Fernandes, outros que do Stanislaw Ponte Preta e outros ainda do Graciliano Ramos (Ah! Essa erudição do Prof. Google): “restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”. Em outras palavras, já que tantos praticaram ilícitos, a tanto estamos todos autorizados.
Pois já que o jornalista gosta tanto de frases ilustres, replico com o conhecido pensamento de Ruy Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
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