Bola de Couro
A reconstrução da Arena da baixada.
Segunda parte. Empréstimo irresponsável.
Prosseguindo no tema iniciado na coluna anterior, passo agora a apontar porque, no meu entender, os favores que o Clube Atlético Paranaense recebe, através da CAP S.A., para a reconstrução do seu estádio são ilegais e principalmente ferem os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Ressalto que toda a legislação a que me refiro pode ser encontrada e melhor examinada através das “homepages” de órgãos públicos. Talvez alguns dos amigos leitores aguardassem que eu abordasse o jogo de ontem contra o Santos, mas como me comprometi em lançar as colunas sobre a reconstrução da baixada em capítulos sequenciais, vou assim prosseguir até finalizar ou fato novo levar à suspensão momentânea do tema.
A Lei Estadual nº 16.733, de 27 de dezembro de 2010, que autorizou o Estado do Paraná a captar empréstimo junto ao BNDES através da sua Agência de Fomento para, servindo este como interposta pessoa, repassar os valores obtidos ao Clube Atlético Paranaense através da CPA S.A., é inconstitucional.
E assim o é pelo o descumprimento do inciso VII, do artigo 52, da Constituição Federal, que prevê como competência privativa do Senado Federal, “dispor sobre limites globais e “condições” para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal”, bem como as resoluções que regulamentam a regra constitucional.
Deste modo, sendo o BNDES uma empresa pública da União (Lei nº 5.662, de 21 de junho de 1971), qualquer empréstimo que o Estado do Paraná pretendesse tomar junto ao mesmo – ainda que fosse para uma finalidade direta (e pública!) e não por interposição em benefício de particular – dependeria de autorização do Senado Federal. Até porque a Agência de Fomento do Paraná é uma sociedade anônima de capital fechado, da qual o Estado do Paraná é detentor de 90% e a Celepar de 10% (Lei nº 11.741/97), ou seja, é integrante da administração pública indireta.
E tal autorização ao que se sabe inexiste, ao menos expressamente. Mas, ainda que se entenda que a autorização estaria implicitamente contida em limite global já estabelecido pelo Senado Federal para o endividamento do Estado do Paraná, abandonando então o argumento a respeito, certamente a manobra utilizada para o empréstimo teria que ser reconhecida como fraudatória da intenção daquela Casa Legislativa ao autorizar os limites do endividamento paranaense. É que, ao estabelecer as “condições” de endividamento a que se refere a Constituição, o Senado Federal supõe que as unidades federativas venham a usar os empréstimos para o bem público, jamais imaginando que estaria dando autorização implícita de contratação de dívida para servir a particular, o que sem dúvida se mostra uma burla ao espírito da previsão constitucional, além de conduta irresponsável que aumentou a dívida pública do Estado para fins privados.
De acordo com o publicado no sítio eletrônico do Tesouro Nacional (http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/downloads/financas_estaduais_divida_liquida.pdf), a dívida consolidada líquida do Paraná em abril do corrente ano alcançava o expressivo total de R$ 13.657.570,00 (treze bilhões, seiscentos e cinquenta e sete milhões e quinhentos e setenta mil reais!) – o Estado é o 5º PIB do país, mas ao mesmo tempo tem a 5ª maior dívida dentre todos - o que mostra por si só o quanto temerário foi assumir elevada nova dívida para entregar os valores a particular, por interposta pessoa jurídica sob seu controle, com o potencial e anunciado risco de não receber o pagamento conforme afirmado por integrante do seu próprio governo, ou por falta de garantias comprovadas.
Por outro lado, do artigo 2º, da Lei Estadual do Paraná nº 16.733/2010 (a mesma que autorizou o empréstimo), se verifica com toda clareza a violação do princípio constitucional da impessoalidade (artigo 37 da CF): “Consideram-se de interesse público e coletivo aqueles relacionados à realização do referido evento no Estado do Paraná, incluindo obras de infraestrutura(sic), viárias, de melhoria, de ampliação e reforma do estádio do evento indicado pelo Estado e aprovado pela FIFA, e outras reformas e adequações julgadas necessárias.”.
Há interesse público e coletivo em ver melhorado, ampliado e reformado o estádio do Clube Atlético Paranaense (para dar aparência de impessoalidade a lei não refere o nome do clube, embora muito antes já se soubesse qual seria)? Quem decidirá sobre as “outras reformas e adequações julgadas necessárias”? A direção do clube beneficiado, sem dúvida, daí a novidade da cobertura retrátil...
E na verdade o Estado do Paraná e sua Agência de Fomento ao fim e ao cabo apenas estão se prestando a servir de “ponte” para que o dinheiro do BNDES chegue ao Clube Atlético Paranaense, através da CAP S.A.
Ora, se o mutuário que originalmente pretendia o financiamento não teve como oferecer garantias ao BNDES, quais as que poderia ter oferecido ao Estado do Paraná e sua Agência de Fomento? Certamente que também poucas e insuficientes, tanto que por esse fundamento negado o empréstimo pelo banco federal ao clube. Daí talvez a explicação para a fala do então Secretário para Assuntos da Copa do Mundo referida ao início desta abordagem. Se não teve como oferecer garantias suficientes ao BNDES, não há dúvida de que o Clube Atlético Paranaense e tampouco a CAP S.A. delas não dispõem para honrar o compromisso em caso de potencial possível inadimplemento.
A CAP S.A. nada mais é do que uma pessoa jurídica que foi criada exclusivamente para receber e administrar o dinheiro para a reconstrução do estádio. Mas a CAP S.A. tem patrimônio? Ou tem apenas a quota do seu único sócio, o próprio clube? Neste caso, se restar inadimplente, como a Agência de Fomento, pelo Estado do Paraná, poderá cobrar o pagamento do empréstimo? Sobre quais bens poderá recair uma eventual execução?
Noticia a já referida Gazeta do Povo, na edição online de 15 de setembro, que como garantia do empréstimo o Clube Atlético Paranaense (aqui uma contradição: o empréstimo é para a CAP S.A., mas o CAP clube, pessoa jurídica distinta, oferecerá as supostas garantias...) dará o crédito de R$ 92.200.00,00 em títulos de potencial construtivo emitidos pelo Município de Curitiba – crédito na verdade alheio, que ainda não tem e virtual, sobre o qual falarei em outra coluna – e mais a hipoteca do seu CT no valor de R$ 46.200.000,00, não havendo informação sobre quem avaliou tão bem o imóvel. Um parêntese: a mesma notícia diz que um clube privado não pode contratar empréstimos junto ao BNDES. A afirmação é equivocada, pois tal banco tem, sim, a finalidade de propiciar o desenvolvimento de empresas. Basta conferir em sua homepage quais as suas finalidades. Voltando ao tema, se as mesmas garantias foram oferecidas ao BNDES e eles as entendeu insuficientes, como puderam o Estado do Paraná e sua Agência de Fomento entendê-las como aptas?
Refere mais a mesma notícia que “O contrato prevê juros de 1,9% ao ano mais a cobrança da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). O prazo total de pagamento é de 180 meses, com carência de dois anos.”. A TJLP (taxa de juros a longo prazo) é um dos menores índices praticados no mercado, calculado trimestralmente, e que neste ano vem variando entre 5,5% a 6% ao trimestre. O prazo de 180 meses equivale a quinze (15) anos que, somados aos dois (02) anos de carência, totalizam dezessete (17) anos para pagamento. (http://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/arena/conteudo.phtml?tl=1&id=1296600&tit=Primeira-parcela-do-emprestimo-a-Arena-chegara-em-outubro). Não refere a notícia se o débito sofreria incidência de correção monetária, o que leva a supor que a TJLP estaria no contrato em lugar daquela forma de reposição.
Aliás, seria muito importante que a imprensa paranaense tivesse em mãos o contrato para de todos os seus termos dar ciência à sociedade paranaense. Alegar cláusula de confidencialidade não será possível, pois não se trata de negócio entre pessoas privadas e a lei da transparência veda que o mutuante pessoa jurídica de direito público se negue a mostrar à sociedade os termos do pacto. Que venha a público o documento, para que pelo menos se possa saber se efetivamente foi resguardado – minimamente - o erário paranaense.
E voltando aos termos do empréstimo, mas que belas condições! Negócio de pai para filho! O amigo leitor que é empresário se um dia pretender investir no aumento dos seus negócios ou na abertura de empresa conseguirá empréstimo em tais condições, mesmo que buscando 10%, 5% ou até 1% do valor que será entregue ao CAP S.A.? E para pagar em dezessete anos, os dois primeiros sem nada desembolsar?
Pois é, e enquanto decorrerem os dezessete anos, não se tenha dúvida, o clube rival crescerá muito patrimonial e financeiramente, tornando-se o seu estádio referência e logo ali na frente muito poucos mais lembrarão que foi construído com VERBAS PÚBLICAS. E talvez se confirme o que disse o vereador referido na coluna anterior, o pagamento do empréstimo venha a cair no esquecimento...
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