Bola de Couro
Estava devendo aos amigos leitores a conclusão dos capítulos sobre o tema da ilegalidade e imoralidade dos favores públicos em benefício do nosso rival na reconstrução do seu estádio, no tocante ao que se poderia fazer para tentar impedir a dilapidação dos cofres públicos ou pelo menos obter o ressarcimento perante os beneficiários.
Pois bem, vou quitar o débito.
Temos duas hipóteses. Vou abordá-las do modo mais sucinto possível, não reproduzindo os textos legais a que me refiro para evitar que a leitura fique cansativa, mas os amigos leitores podem buscar todos eles no site www.planalto.gov.br. Quero deixar claro que de modo algum tenho a pretensão de tentar ensinar quem quer que seja a respeito das medidas e nunca reivindicarei a paternidade dos fundamentos caso alguém entenda de usá-los, ainda que em parte, no possível patrocínio de uma delas ou ambas.
Uma das medidas seria a de alguns cidadãos representarem junto ao Ministério Público, através da Procuradoria Geral da Justiça, pedindo a instauração de inquérito civil para o efeito de posterior ajuizamento de ação de improbidade contra todos os envolvidos e através dela alcançar o ressarcimento dos cofres público.
O inquérito civil tem previsão no § 1º, do artigo 8º, da Lei Federal nº 7.347/1985, visando à apuração de responsabilidades por improbidade e, delas convencido, ajuizar o Ministério Público ação civil pública com amparo no artigo inciso IV, do artigo 1º, da mesma lei e mais o artigo 17, da Lei nº 8.491/1992, pela caracterização da improbidade de acordo com o artigo 10, incisos I e II, da mesma lei.
Vislumbro menor ou mais demorada eficácia nessa medida – o que não significa inutilidade, ou que não seja conveniente e nem de que ao final não resulte de modo positivo e menos ainda de que o Ministério Público não será diligente – mas sim porque se trata de procedimento apenas prévio durante cujo transcurso todas as ilegalidades podem se consumar. De qualquer forma, ainda que o procedimento possa ser demorado e encontrar os fatos consumados durante o seu curso, para só depois ser ajuizada a ação de improbidade pelo Ministério Público, o uso da medida seria importante.
A outra iniciativa, esta com mais eficácia, talvez imediata, e de maior importância sem dúvida, e que não colide com a primeira, seria o ajuizamento de ação popular constitucional, para a qual estão legitimados quaisquer cidadãos em gozo dos seus direitos políticos (em dia com as obrigações eleitorais).
A ação popular está prevista no artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal e Lei Federal nº 4.717/1965, que, embora anterior à Carta maior, por ela foi recepcionada. Tal ação tem como objetivo que o cidadão – substituindo o Estado quando ele não agir – exerça o poder/dever de buscar anular ato lesivo ao patrimônio público e a moralidade administrativa, dentre outras hipóteses, sendo o(s) autor(es) isento(s) do pagamento das despesas processuais e ônus da sucumbência, salvo quando “comprovada” má-fé no ajuizamento da demanda, conduta que sem dúvida jamais se caracterizará no caso pois fundamentos de fato e de direito sobram para o pedido.
A ação deve ser ajuizada contra o Estado do Paraná, a Agência de Fomento do Estado do Paraná, o Município de Curitiba, Orlando Pessuiti – na condição de governador que sancionou a Lei Estadual nº 16.733/2010, Luciano Duci – na condição de sancionador da Lei Municipal nº 13.620/2010 – o Clube Atlético Paranaense e a CAP S.A. Arena dos paranaenses, os primeiros como autores e os últimos na condição de beneficiários dos atos impugnados. A pessoalização do ex-governador e do atual prefeito é exigência do artigo 6º “caput”, da lei da ação popular antes referida.
Os fundamentos podem ser os que constam nos colunas anteriores que postei sobre a matéria, mas certamente serão enriquecidos pelo(s) advogado(s) que eventualmente aceite(m) patrocinar a causa, ou até desprezados se encontrarem outra linha argumentativa. Estou escrevendo sobre o tema como torcedor e apóstolo do Coritiba, uma vez que entendi muito tímidas as manifestações em contrário, enquanto fortes as opiniões com o fundamento da prioridade da Copa do Mundo mesmo que a custo da não preservação republicana do patrimônio público.
O pedido, na minha ótica, assim poderia se desdobrar:
a) Requerimento de liminar visando a suspensão de todos os atos impugnados, com fundamento tanto no bom direito que amparará o(s) autor(es) da ação, como no evidente risco de o resultado de julgamento pela procedência do pedido, ao final de um demorado processo, encontrar fato consumado e então poder tornar-se a reparação dos cofres públicos difícil e incerta. Não há porque se preocupar com a vedação de liminares contra o Poder Público prevista no artigo 1º, da Lei Federal nº 8.437/1992, pois o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que tal proibição não se aplica à ação popular: “O art. 1º da Lei 8.437/92 veda liminares em favor de quem litiga com o Estado. A vedação nele contida não opera no processo de ação popular. É que, neste processo, o autor não é adversário do Estado, mas seu substituto processual” (STJ – 1ª T, RMS 5.621-0, Min. Gomes de Barros, j. 31.5.95 DJU 7.8.95 e no mesmo sentido STJ 6ª T, REsp 73.083, Min. Fernando Gonçalves, j. 9.9.97, DJU 6.10.97 e RSTJ 105/193, informações constantes do CPC anotado de Theotônio Negrão e outros, 44ª edição, em nota ao pé do artigo 1º, da Lei nº 8.437/92.
b.1) Intimação ao BNDES, também em sede de liminar, para que não libere o empréstimo acordado com o Estado do Paraná;
b.2) Se já liberados os valores, a intimação do Estado do Paraná para que não os repasse à Agência de Fomento do Estado do Paraná, pedido também a ser incluído no de liminar;
b.3) Mais uma vez em caráter liminar, caso já repassados tais valores, a intimação da Agência de Fomento do Estado do Paraná para que não celebre o contrato de mútuo com a CAP S.A.
b.4) Na hipótese de já celebrado o contrato e repassado os valores, seja qual for o montante, liminarmente a determinação ao Banco Central do Brasil para que proceda ao bloqueio dos valores nas contas bancárias utilizadas pelo Clube Atlético Paranaense ou o a CAP S.A.
b.5)A proibição ao Município de Curitiba, também através de liminar concomitante, quanto a autorizar obras acima do coeficiente de aproveitamento básico que tenha como amparo as cotas concedidas aos dois últimos réus.
Os pedidos devem ser feitos em caráter concomitante e não sucessivo, uma vez que aguardar que cada um dos primeiros réus informe, um a um, que não pode cumprir a liminar por já esgotado seu objeto, seria permitir que o processo somente na fase inicial se prolongue demasiadamente, perdendo o seu caráter de eficácia para pronto impedimento de lesão ao patrimônio público.
Deve ser pleiteada também intimação do Ministério Público para acompanhar a ação em todos os seus termos conforme prevê o § 4º, do artigo 6º e § 1º, do artigo 7º, ambos da Lei nº 4.717/1965 e para zelar pelo sucesso da mesma, cumprindo a nobre função que lhe é outorgada pelo “caput” do artigo 127, da Constituição Federal e artigo 1º, de sua Lei Orgânica e em especial o encargo constante do § 4º, do artigo 6º, da mesma Lei nº 4.717/1965. Nessas ações, ao Ministério Público é vedado “em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores”.
Quanto ao pedido material final, penso que deve visar a decretação de invalidade de todos os atos impugnados já narrados em colunas anteriores, bem como a condenação dos dois últimos requeridos à devolução dos recursos que tenham utilizado e decorram daqueles atos, tudo devidamente atualizado quando do cumprimento da sentença, e ainda a condenação dos quatro últimos requeridos a indenizar o Estado do Paraná e o Município de Curitiba por perdas e danos, imputando a todos os réus, de forma solidária, o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do(s) patrono(s) dos autores.
Registro que honestamente me obrigo a dizer que tenho como difícil a concessão da liminar, e se concedida é possível a cassação pelo Tribunal, ou se mantida por este muito provavelmente poderá ser revogada pelo Superior Tribunal de Justiça. Não vou iludir os amigos a respeito. Tal temor não decorre, de modo algum, de injuridicidade da pretensão, mas sim de razões que possam ser decorrentes muito mais do interesse na realização da Copa do Mundo em Curitiba do que jurídicas. Se concedida e mantida a liminar, ótimo. Se não, tenho segurança – aqui sim - de que ao final do processo haverá sentença condenatória, então não mais de modo a impedir os fatos, por encontrá-los consumados, mas para o efeito de obrigar a devolução dos recursos e indenização dos cofres públicos, mesmo que assim ocorra daqui a alguns anos.
Se ajuizada a ação e dado a público o fato, os seus autores estarão mostrando à sociedade que a cidadania não está aceitando mansamente as lesões ao patrimônio público e que se os homens públicos estão silientes, ou alguns poucos fazem oposição mas não de modo efetivo e eficaz, os cidadãos, dos quais “todo o poder emana” conforme princípio constitucional estarão mostrando a sua indignação e que procuram defender a coisa pública já que os seus representante não o fazem.
Dando por quitado meu compromisso – mas mantendo-me a disposição para discutir alguma dúvida – a partir da próxima coluna voltarei aos temas referentes ao clube e ao desempenho do time.
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