Bola de Couro
Decididamente, acompanhar o futebol brasileiro está ficando chato. Muito chato.
Primeiro, elitizaram os estádios, com ingressos caros, de modo que somente as classes A e B podem frequentar com alguma assiduidade aos jogos, restando às demais classes guardarem o que sobrar – quando sobrar, nestes tempos de crise – para uma vez ou outra poder ver os “espetáculos” ao vivo. Nunca mais vimos nos estádios aquelas pessoas humildes, que assistiam aos jogos das gerais, desdentadas às vezes, com seu rádio portátil no ouvido, pagando ingresso que se poderia denominar nos termos politicamente corretos de hoje de “social”.
Depois, limitaram as transmissões pela televisão a dois jogos semanais em canais abertos, sendo facultadas as outras partidas apenas aos que podem manter assinaturas caras para acompanhar os seus times.
Neste enfoque, restou aos menos favorecidos acompanhar aos jogos pelas emissoras de rádio, o que já foi tentado obstaculizar por dirigente das araucárias deusificado por alguns que pretendia que aquelas pagassem pelas transmissões, esquecendo que esses meios de comunicação são a melhor propaganda para frequência aos estádios.
Tudo bem, dirão, o futebol se tornou um esporte caro e não pode mais ser romântico como foi em outras eras.
Mas podiam parar por aí.
Agora, inventaram coreografia para a entrada dos times em campo. Perfilam-se, como se em um desfile militar ou escolar e, a uma voz de comando, no mesmo passo, ingressam em campo de modo frio e solene. O árbitro, então, age como um protagonista de balé, apanhando a bola, colocada em um pedestal, e puxando o desfile. O prazer de vaiar os árbitros na entrada no gramado e o de vibrar, agitar bandeiras e soltar foguetes quando o nosso time aparecia, desapareceu. Por pouco não é quase exigido comportamento como no ingresso no palco de uma orquestra para um concerto, solene e com a plateia em silêncio.
Como nada que está ruim não possa piorar decidiram agir com rigor em relação a alguns comportamentos de jogadores (lúdicos, às vezes) e técnicos, mediante a aplicação de regra rigorosa, fixa e sem margem para bom senso, dosimetria e o prudente bom arbítrio que deve nortear decisões em qualquer campo de atividade, principalmente em se tratando de normas punitivas.
Na primeira rodada do campeonato brasileiro no jogo contra o Internacional, um jogador do Atlético foi comemorar o gol junto à torcida e uma senhora, pela aparência com mais de sessenta anos de idade, o abraçou. Foi o que bastou para que recebesse cartão amarelo, como se causasse risco para a segurança do espetáculo. A alegria do futebol, a interação dos jogadores com a torcida que se danem, o importante é obedecer cegamente as regras.
Ao final do jogo contra o Palmeiras o técnico do São Paulo, expulso por uma reclamação comum, disse que não sabia que no futebol brasileiro os árbitros eram os protagonistas de um jogo de futebol e que nada se podia dizer para eles. Imaginava que, tal como e outros países, inclusive na Europa onde já trabalhou, eram os jogadores os astros.
Ontem, no jogo contra o Atlético Mineiro, ninguém conseguiu saber o que teria o Ney Franco feito para ser expulso, nem os repórteres, nem os narradores e nem os comentaristas. Talvez nem o árbitro possa dizer. Sabendo-se que o Ney Franco é uma pessoa tranquila e educada – o protótipo do bom mineiro – é muito difícil acreditar que tivesse dito algo que pudesse atingir tão gravemente a sua excelência, o árbitro, para merecer expulsão.
Nem nos tribunais é exigido que todos se calem ante as decisões dos magistrados. Respeito sempre deve existir, mas daí a considerar qualquer reclamação como ofensa a distância é abissal. A quem decide deve-se exigir bom senso, equidade e prudente bom arbítrio, jamais aplicando regras punitivas como se fosse uma ciência matemática.
Como está tão logo os jogadores e técnicos deverão se dirigir ao árbitro mais ou menos assim:
- Perdão, senhor árbitro, mas penso que vossa senhoria se enganou na marcação da falta...
- Com licença, ilustre auxiliar de arbitragem, data vênia o senhor se equivocou...
E ai do árbitro que não agir com esse rigor cego, obtuso. Será afastado por algumas rodadas ou levado a arbitrar jogos das séries B ou C.
Já não chega a queda do nível técnico dos jogadores brasileiros – digam, sem pensar muito, quem pode ser considerado craque nos times locais hoje em dia – da perda de respeito pela nossa seleção (merecida) e agora a alma do futebol como esporte alegre, lúdico e popular começa a se perder com regras e mais regras “politicamente corretas”, na pior conceituação do termo.
Decididamente, muitas vezes acompanhar o nosso futebol está se tornando uma chatice.
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