Bola de Couro
A inigualável torcida do Coritiba absorveu bem o resultado da final da Copa do Brasil. Ao final do jogo deu emocionante manifestação de orgulho e amor ao clube e, nos dias que se seguem, continua a manter o peito e a cabeça erguidos. Estive no estádio e me emocionei como poucas vezes na vida, tanto durante o jogo como após quando a maior torcida do Paraná e a melhor do Brasil mostrou seu reconhecimento ao processo de refundação iniciado em 2010 pelo comandante Vilson Ribeiro de Andrade e seus companheiros de diretoria. Voltamos a ter orgulho de ser coxa-branca e a ter certeza de que sonhos maiores serão alcançados.
A crônica esportiva do Paraná e do Brasil, com destaque especial para meus colegas Coxanautas, deixou claro que o resultado foi apenas um acidente que aconteceu na hora errada onde o imponderável nos atingiu, todos reconhecendo o quão grande o Coritiba é e que sua força e potência, adormecidas nos últimos vinte anos (com um despertar aqui e ali) finalmente retomou o caminho de glórias. Aqui em Porto Alegre tive a satisfação de ler e ouvir que o Coritiba foi, dentre outros adjetivos, a maior sensação do futebol brasileiro no primeiro semestre do ano.
Mas assim mesmo ouvi um e outro afirmando que só o título importava e que quem ficará com o registro pela conquista será o Vasco da Gama. Sem dúvida o título era muito importante, mas não aceito a afirmação de que “só” o título ficará na história. Pelo contrário, ficará muito mais na história este Coritiba do que o resultado obtido pelo Vasco, mais pelo acaso da fatalidade que nos atingiu do que por méritos.
A propósito lembro dois exemplos marcantes de times de futebol que foram derrotados mas que ficaram na história de modo tal que são muito mais lembrados do que os que os venceram.
Na Copa de 1974, o mundo ficou deslumbrado com a seleção da Holanda, conhecida como “laranja mecânica” ou “carrossel holandês”, time que revolucionou o futebol da época, com jogadores que não guardavam posição fixa e desnorteavam os adversários com seus deslocamentos em campo. Chegou à final eliminando a Alemanha Oriental e os grandes monstros do futebol mundial, a Argentina e o Brasil, este o último campeão do mundo com o inigualável time de 1970, do qual muitos remanescentes ainda integravam a seleção de 1974.
Enquanto isso, a Alemanha Ocidental praticando o futebol pragmático com que sempre se distinguiu, eliminou as inexpressivas seleções da Suécia, Polônia e Iugoslávia.
Ao final, por um desses fatos imponderáveis que às vezes atua no futebol, restou campeã a seleção da Alemanha Ocidental.
O título ficou nas estatísticas da Fifa, mas a história ficou com a seleção da Holanda, a qual é muito mais lembrada do que a vencedora, inclusive pelos estudiosos do futebol que até hoje são influenciados pela tática da “laranja mecânica”. Uma prova? Lancem no Google, na busca em Português, as expressões “seleção holandesa de 1974” e “seleção alemã de 1974” e verão que a primeira contém 545.000 resultados e a segunda 308.000.
Em 1982, foi a vez de a seleção brasileira encantar a todos na Copa do Mundo, com um futebol ofensivo e artístico, derrotado no caminho pela burocrática seleção da Itália. Um time com Falcão, Zico, Sócrates, Júnior e outros, todos craques na verdadeira acepção da palavra. Eliminamos a então União Soviética, a Escócia e a Nova Zelândia e derrotamos a Argentina, última campeão do mundo e que naquela Copa estreava Maradona (já então mostrando seu caráter ao ser expulso por chutar a barriga do Batista).
Enquanto isso, a Itália empatou com os três adversários da primeira fase, as inexpressivas seleções do Peru, Polônia e Camarões e só se classificou por ter feito um gol a mais do que o último.
Na segunda fase nos venceu, em mais um jogo daqueles em que o futebol-arte não se impõe ao futebol de resultados, e onde duas falhas incríveis e que só o sobrenatural explica, nos derrubaram.
Ao final, a Itália foi campeã mas, assim como aconteceu em relação à Holanda de 1974, o mundo esportivo até hoje lembra muito mais da nossa seleção pela beleza do futebol, do que daquela.
Retirei do site Terra: “A Mágica Seleção Brasileira de 1982 não ganhou nada, porém cravou na memória dos brasileiros, uma seleção de um futebol incrivelmente ofensivo e de uma técnica incrivelmente apurada.
O tetra não veio com essa seleção, entretanto seu futebol pra frente sempre será lembrado com um referencial quando o assunto é futebol-arte”. No blog www.futebolmemória.com.br em artigo não identificado, o autor afirma que: “Por isso, acabo aqui o artigo sobre aquela sensacional, fantástica, brilhante e artística Seleção. A conclusão que a gente chega é que Falcão realmente tinha razão, caso eles ganhassem aquela Copa, o Futebol agradeceria. Mas nem tudo é injustiça…a Seleção de 82 é muito mais querida que a de 94, campeã…Muita gente prefere o título, outros preferem o futebol”.
Volto ao Google: “Seleção brasileira de 1982” tem 676.000 referências, enquanto “seleção da Itália de 1982 tem 79.700.
E o mesmo acontece com o atual Coritiba. Perdemos o título, mesmo com uma vitória expressiva, mas o Brasil – com exceção óbvia do Rio de Janeiro – fala muito mais no Coritiba e seu futebol sensacional do que no título do Vasco da Gama. Enquanto arrasamos adversários na Copa do Brasil, o vencedor(?) a conquistou com cinco empates pelo caminho e o resultado mínimo dentre os mínimos na final, com uma derrota que valeu apenas pelo critério de desempate pelo gol fora de casa.
Tenho certeza de que, embora lamentável a perda do título, ainda mais pelas circunstâncias com que aconteceu, este Coritiba já faz parte da história do futebol brasileiro. Time que alcançou o recorde nacional de vitórias consecutivas, que dificilmente um dia será igualado e menos ainda batido. Campeão estadual invicto e por antecipação. Melhor ataque do Brasil até esta data. Número de sócios nunca alcançado entre os clubes paranaenses e o terceiro maior quadro do Brasil. Direção, comissão técnica e atletas totalmente comprometidos com o clube e o seu sucesso. Enfim, o Coritiba velho de guerra, o maior do Paraná e em caminho para ser um dos maiores do Brasil.
O título do Vasco ficará nas suas estatísticas e nas da CBF, mas o futebol do Coritiba é que ficará na história nacional tal como ficaram as seleções da Holanda de 1974 e do Brasil de 1982 perante o mundo.
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