Bola de Couro
Em 08 deste mês, sob o título “Luz para todos?”, o jornal Gazeta do Povo publicou matéria sobre a colaboração da Copel na construção da Arena da baixada, cujo primeiro parágrafo assim diz:
“Além de mais de R$ 120 milhões em potencial construtivo (direito de construir além dos limites fixados na Lei de Zoneamento), o Atlético terá outra grande benesse do governo na reforma da Arena da Baixada para a Copa do Mundo de 2014. O clube receberá um empréstimo a fundo perdido (sem previsão de reembolso), da Companhia de Energia Elétrica do Paraná (Copel), com o intuito de instalar painéis para captação de energia solar em seu estádio.” Ao custo de R$ 24.600,00, diz logo adiante.
Em 15 de julho de 2010, quando ainda não era colunista dos Coxanautas, fui distinguido com a republicação de artigo que foi transcrito em alguns jornais, inclusive do interior do Paraná, mas, pelo que vejo agora, não surtiu nenhum efeito. Ainda que correndo o risco de ser cansativo e inconveniente pela repetição, como o assunto voltou à pauta, vou transcrever o que disse, aproveitando agora que o Tribunal de Contas do Estado tomou a si a responsabilidade de examinar a legalidade da obra – na esperança alguém com poder ou influência e principalmente responsabilidade o leia e pondere sobre a irresponsabilidade e verdadeiro crime contra a coisa pública que se está cometendo.
Segue a transcrição literal do que escrevi há quase dois anos:
“Com a constatação de que não têm meios para confirmar a candidatura de Curitiba, via Arena da Baixada, para ser uma das subsedes da Copa do Mundo de Futebol de 2.014, tratam alguns homens públicos e dirigentes do Clube Atlético Paranaense de buscar recursos para honrar o compromisso precipitadamente assumido, através da ideia de parceria com a maior e mais sólida empresa paranaense, a Copel, sob o falacioso argumento de que haveria interesse público na obra pois a capital do Paraná seria temporariamente levada ao mundo e que o uso do dinheiro público se justificaria como verba publicitária.
Como exercício de retórica e como sofisma, os argumentos são muito bem lançados, mas não resistem a uma análise por menos acurada que seja.
Em primeiro lugar, deve ficar claro que a Copel, como sociedade de economia mista, integra a administração indireta do Estado do Paraná e como tal tem obrigação de se submeter ao princípio da impessoalidade previsto no “caput” do artigo 37, da Constituição Federal, ou seja, não pode agir tendo em vista interesse privado, favorecendo um particular ou um grupo sem visar o interesse de toda a comunidade e sem dispensar tratamento igual a todos os administrados e sem atentar também para o princípio da isonomia.
Fosse o caso de investir em estádios, deveria a Copel entregar os mesmos recursos ao Coritiba F.C. e até mesmo ao Paraná Clube, não se afastando que o fizesse até aos clubes do interior do Estado. Mas não defendo aqui que ajude também o meu clube, pois não é para isso que foi criada e existe a Copel, cujo acionista majoritário é o Estado do Paraná, ou povo do Paraná, e cuja finalidade única é a geração e distribuição de energia elétrica, jamais a construção ou reforma de estádios de futebol. Desvio de finalidade é também violação ao princípio da impessoalidade, uma vez que o administrador só pode praticar atos que o direito autoriza, no caso a lei e o estatuto que regem a Copel.
E sobre o sofisma de que haveria interesse público em face da promoção da cidade com a Copa do Mundo, basta constatar que o aporte de recursos serviria para alojar apenas jogos de um grupo, três jogos(!), passando o patrimônio a partir de então à iniciativa privada para sempre. Como falar então em interesse público se o investimento ao final vai somente enriquecer o patrimônio particular através de evidente artifício? Promover Curitiba, já conhecida mundialmente por suas políticas urbanísticas e ecológicas, por quinze ou vinte dias, justificaria tão grande abuso de dinheiro público?
E aos que argumentam que o registro do nome da Copel no estádio justificaria o investimento, pois se trataria de publicidade, duas observações. Uma estatal que detém monopólio da distribuição de energia elétrica não precisa de publicidade, salvo em campanhas educativas, como prevê o § 1º, do mesmo artigo 37, da Constituição Federal. Certamente não será o caso, a uma porque não se imagina uma campanha educativa fixa em estádio e a duas porque campanha educativa deve atingir a toda a coletividade e não apenas a adeptos de um clube. Depois, o que é fundamental, se fosse o caso de a Copel precisar de publicidade, não deve e não pode fazê-la a tão alto custo e menos ainda privilegiando um só local, um só veículo, mais uma vez ferindo o princípio da impessoalidade e da isonomia, tal como faria se privilegiasse apenas um meio de comunicação em seus anúncios.
Por fim, cabe lembrar que o desejado patrocínio, se vier a ocorrer, ferirá de morte o princípio constitucional da moralidade, igualmente previsto no já citado artigo 37, da Constituição Federal. Ainda que se venha a dar aparência de legalidade a eventual ato de uso de dinheiro público em obra privada, aplicar-se-ia o que o Direito Romano já dizia “nem tudo o que é legal é honesto”, ou seja, não basta que a atuação estatal aparente ser compatível com a ordem legal vigente, mas também é necessário que a gestão da coisa pública seja feita de modo a atender aos padrões de conduta que a comunidade considere relevantes.
Confia-se que os homens públicos paranaenses saibam ser republicanos na correta acepção do termo e que, caso não se apercebam da ilegalidade e a permitam, o Ministério Público atuará dentro do seu poder-dever constitucional.”
Agora, o argumento é outro, não se trata mais de publicidade, mas sim de captar energia solar conforme constou no texto transcrito ao início. E, segundo a mesma edição da Gazeta do Povo: “De acordo com a Lei n.º 9.991, de 24 de julho de 2000, todas as empresas concessionárias de energia elétrica são obrigadas a aplicar 0,5% de sua receita operacional líquida em ações de combate ao desperdício de energia, chamadas de eficiência energética, na qual a energia solar se enquadra.” Porém, observem o maquiavelismo caros amigos, segue o jornal dizendo, “Mas somente no caso paranaense a aplicação será feita em uma obra privada.” Por que será? A Copa é da Copel, ou a Copel é da Copa, ou a Copa é do Atlético, ou a Copel é do Atlético, ou, sei lá quem é de quem nessa história, só sei que é evidente a falta de respeito aos princípios constitucionais que apontei antes.
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