Bola de Couro
Li, na coluna do Tiago Recchia na Gazeta do Povo (hoje, 23 de junho), que quando do jogo entre o Coritiba e o São Paulo:
“Os coxas-brancas que tentaram assistir ao jogo contra o São Paulo em algum botequim de Curitiba devem ter tido de rodar muito até encontrar um que não estivesse passando Corinthians x Santos, se é que encontraram.
É que, como a RPC TV transmitiu Coxa x Sampa pra capital e enviou sinais do jogo do Timão x Peixe apenas pro (sic) interior, os bares com canais pagos foram a rota de fuga de corintianos e, em menor número, bem menor, santistas.
Dizem que os corintianos não precisam assinar pay-per-view, assistem aos seus jogos de graça, em canais abertos. Aqui no Paraná, sabemos bem, eles só perdem em número de torcedores na capital, onde Los 3 muchachos mandam.”.
O relato, ainda que certamente seja verdadeiro, me causou forte desconforto, que quero compartilhar com os amigos.
Nosso estado, o Paraná, é um dos mais novos do Brasil – data de 1853 – e foi formado por diversas migrações e imigrações que aqui aportaram. Gaúchos no sudoeste, paulistas e mineiros no norte, estes os mais numericamente representativos dentre outros migrantes que aqui se estabeleceram. Por outro lado, vieram também enriquecer ao Paraná levas de alemães, poloneses, italianos, japoneses, árabes e tantos outros que se juntaram aos de origem lusitana que primeiro chegaram, todos esses e aqueles agora representados já por duas, três ou quatro gerações.
Se todos os naturais de outras plagas devem manter as raízes de suas terras natais, com razão (Ama, com orgulho, a terra em que nasceste! já dizia Olavo Bilac), é certo que lhes cabe também se aculturar na terra que os adotou e que, se ajudaram a crescer, também foi onde progrediram e formaram famílias e descendentes. É normal que todos os não nascidos no Paraná continuem a manter forte e dedicado amor à sua terra natal e, no que aqui nos interessa, continuem a torcer por seus times de futebol de origem. Se quiserem ou não adotar algum segundo clube local, é atitude que cada um define conforme os seus sentimentos.
Eu, embora o propósito não seja o de pretender servir de exemplo para ninguém e nem usar o texto para falar de mim, estou no RGS há mais de trinta anos. Continuo a manter minhas raízes paranaenses – não preciso dizer a quem me conhece e me lê. Mas aqui me realizei pessoal e profissionalmente, tive filho e neto, genro e nora gaúchos. Tenho o RGS como terra adotiva e adequei-me aos usos e costumes locais (até o hino sul-rio-grandense sei cantar em face de tantas solenidades em que compareci). Quanto a esse aspecto, tenho dois corações: um no estado onde nasci e me criei e outro no que me acolheu sem qualquer preconceito ou distinção.
Nem por isso, e o meu perfil ao lado da coluna já assim diz, perdi minha autenticidade e deixei de torcer exclusivamente para o meu Coritiba. E aceito, sem qualquer restrição, que paulistas, gaúchos e mineiros e outros brasileiros radicados no Paraná continuem a torcer exclusivamente pelos clubes dos estados onde nasceram.
Mas não posso aceitar de modo algum - e daí a afirmação ao início da coluna, quanto ao desconforto que me causou o texto do Tiago - que os filhos, netos e bisnetos desses mineiros, gaúchos e paulistas, nascidos no Paraná, paranaenses, portanto (com perdão pela redundância), possam torcer por clubes de fora como a sua primeira paixão. Se são paranaenses, a cultura paranista (atenção, o significado original da expressão nada tem com aquele clube, mas sim com a autenticidade de quem é paranaense) deve ser a primeira em seus corações. Até aceito, para os outros e não para mim, que se possa ter um segundo time em outro estado, mas um segundo. Ser paranaense e torcer exclusiva ou primordialmente por um clube paulista – ou de outros estados - como retratado na coluna aqui comentada, é inaceitável.
Até parece, quero estar errado, que os descendentes dos alemães, poloneses, italianos, ucranianos, japoneses, árabes e tantos outros são mais paranaenses do que aqueles.
Fique claro que minha opinião em nada desmerece aos brasileiros migrantes que para o Paraná vieram (ainda que costume fazer uma brincadeira rimada: Igual a Minas, São Paulo e RGS não há, tantos que muitos lá nascidos vieram para o Paraná). Jamais pensaria em discriminação ou qualquer outro sentimento no mesmo sentido. O Brasil é de todos e, assim como fui acolhido pela generosa terra gaúcha, os paranaenses souberam e sabem acolher os outros brasileiros que para o estado se mudaram. O que repudio, e espero que tenha deixado claro, é quanto aos paranaenses descendentes dos migrantes que, geneticamente filhos do Paraná mas que cultuam primordialmente valores dos estados dos seus pais, avós ou bisavós e não daquele onde nasceram e se criaram.
E a inconformidade e perplexidade se mostram maiores quando leio que o maior órgão de comunicação do Paraná, formador de opinião como são todos, prefere transmitir ao jogo entre paulistas para todo o interior do Estado na mesma ocasião em que o Coritiba derrotava o São Paulo? O que dizer a respeito senão repúdio? Será que os venerandos Francisco da Cunha Pereira, pai e filho, aceitariam tal conduta mercantilista e alienígena? Pelo que conheci dos dois, o primeiro pela atuação jurídica e no magistério superior e o segundo pelos laços de união com meu saudoso pai e pela defesa intransigente que fazia do Paraná em seu jornal, duvido. Duvido, repito.
Vocês, nascidos no Paraná e que torcem exclusiva ou primordialmente por times de outros estados, não são paranaense de marca, são meros genéricos.
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