Bola de Couro
Descansando na praia, o relaxamento natural que o litoral proporciona tem feito com que eu durma mais tempo e mais profundamente.
Noite dessas, porém, tive um pesadelo que se iniciou como um sonho alegre e aos poucos foi ficando desesperador. Vou compartilhá-lo com os amigos.
Pois não é que sonhei que vivia o ano de 2003 e acompanhava o time do Coritiba. Na época com um excelente goleiro, Fernando, e um ala esquerdo, jogador de seleção que até hoje e reconhecido no mundo, Adriano. Marcel ainda sabia jogar futebol e Tcheco, nove anos mais moço, jogava mais e reclamava menos. Fomos campeões estaduais invictos, o que não ocorria desde os anos 1940 e, grande conquista, no campeonato brasileiro nos classificamos para a Copa Libertadores da América. Tínhamos um técnico iniciante que parecia ter um futuro promissor, o que não se confirmou depois, mas enquanto nos prestou serviços foi eficiente.
Estava tão bom o sonho que não queria acordar.
Logo meu devaneio me levou a 2004, mais aí já começando o sonho a ser turvado pela lembrança da contratação do vetusto Antônio Lopes, que jogou fora a possibilidade de uma boa campanha da Copa Libertadores ao insistir – carioca exxperto esse – que o time deveria ter um jogador que falasse espanhol e trouxe o tal de Esmerode (!) para essa função. Embora não soubesse jogar bola e fosse fator decisivo para que fossemos goleados já na primeira partida, pelo menos dialogou com o árbitro e os adversários em sua língua pátria como queria a triste figura do treinador.
Mas logo o sonho voltou a ser prazeroso, ao me vir à mente a efetivação do Miranda e as contratações do Luís Mário e Tuta (Aristizábal não computo pois passou mais tempo suspenso e lesionado do que jogando). Novamente campeões paranaenses, dessa vez em plena baixada e com um gol antológico do Tuta e a imagem inesquecível dele com o dedo indicando o silencio da torcida rubra que comemorava antes da hora. Se alguém me visse dormindo naquele momento, certamente veria alguém sorrir durante o sono, se é que isso é possível.
A partir daí, porém, a noite começou a se tornar pesadelo.
Lembrei que em nome da equalização das dívidas, nos desfizemos de Fernando, da revelação Rafinha, de Miranda e Adriano. O primeiro, segundo o presidente da época, dispensável pois o então preparador de goleiros teria afirmado que Douglas e o espalhafatoso Vizzoto o substituiriam à altura(!). Os demais, em face da situação quase falimentar do Coritiba, foram cessões necessárias cujos rendimentos serviram para quitar dívida astronômica e liberar de penhora o nosso CT.
Até aí tudo bem, embora pareça desaconselhável se desfazer de um setor inteiro da equipe ao mesmo tempo, como foi com a defesa e como seria, por hipótese, em se tratando da meia-cancha.
Mas, ainda no meu sonho, imaginava que substitutos à altura seriam aos poucos contratados, para isso usando o clube de “olheiros” que os descobrissem ainda sem valorização no mercado, ou usando algum jovem das categorias de base, uma vez que não poderia pagar por atletas caros e renomados.
Infelizmente, a esperança do meu sonho era mesmo sonho de uma noite de verão. Em 2005 vieram para o Coritiba figuras como Rodrigo Batata, Peruíbe, Capixaba, Caio, Renaldo e Alcimar, dentre outros à mesma ou menor altura. Aquele último foi contratado por ter sido visto em apenas um jogo, quando o Coritiba enfrentou o Icasa no Ceará e ele se destacou, como se destacar em meio à mediocridade fosse mérito.
E meu pesadelo logo me levou à última partida do campeonato brasileiro, quando já estávamos rebaixados e só vitória com uma combinação de resultados favoráveis nos livraria do descenso. Não deu certo, todos nos lembramos daquela partida e da emoção que tomou conta de nossa torcida e das consequências para o clube nos anos seguintes.
Aí acordei suando em bicas e com taquicardia. Depois de alguns segundos me recompus e pensei: meu Deus, que isso nunca mais se repita, pois meu coração e os de muitos coritibanos não aguentarão.
Que não mais se contrate um atleta apenas por causa de uma boa atuação na Copa do Brasil, envergando camisa de time pequeno onde quem tem um olho é rei. Que nunca mais nos desfaçamos de um setor inteiro de uma equipe vitoriosa e o substituamos por atletas que nunca podem ser denominados de “reforços” e nem mesmo de “reposições” na estrita acepção do termo. Que não mais tenhamos na equipe jogadores apenas “rodados”, às vezes buscados em mercados futebolísticos menores como os asiáticos, mas sim atletas que aliem experiência a carreira vitoriosa. Que não tenhamos medo de experimentar destaques das categorias de base, revelando outros Rafinhas, Mirandas e Adrianos.
Ainda bem que vivemos outros tempos e foi apenas um pesadelo de uma noite de verão.
A opinião dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
Cada colunista tem sua liberdade de expressão garantida e assinou um termo de uso desse espaço.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)