Bola de Couro
Como sempre ocorre em nossa sociedade, um fato criminoso impactante gerou inúmeras reações, nem todas lúcidas. Refiro-me à morte de um transeunte no conflito entre as ditas “organizadas” do Palmeiras e do Corinthians. Tal como frequentemente acontece quando de crimes de repercussão, saíram muitos a bradar por leis mais rigorosas, como se elas já não o fossem suficiente para bem coibir a criminalidade desde que bem aplicadas e especialmente bem executadas.
O Ministério Público de São Paulo foi aos meios de comunicação para dizer o que dezenas de vezes já disse de forma demagógica. A medida principal que pretende tomar, como se fosse a descoberta da pólvora, seria a de restringir o acesso aos estádios por torcida única.
Aqui na nossa província, o dono do Atlético logo tratou de aderir à ideia, consoante o seu pensamento e modo de agir elitista em relação às torcidas, inclusive a sua.
Ora, como diria o saudoso Nelson Rodrigues, até os paralelepípedos sabem que os grandes conflitos entre torcidas não acontecem nos estádios e nem no entorno deles. Nestes, as brigas ou vandalismos são de menores proporções, sempre passíveis de serem coibidas, pois presente a força policial. O problema é mais amplo e de difícil (mas não impossível) prevenção. Os bandos criminosos exercem os seus instintos selvagens em locais desguarnecidos da força policial, muitas vezes marcando encontros como se fossem tribos selvagens disputando territórios. Não sou especialista em segurança, longe disso, mas sem dúvida episódios como os ocorridos em São Paulo e nos terminais de ônibus em Curitiba podem ser prevenidos mediante o monitoramento das ações nas redes sociais e de telefonia. O noticiário da crise político-jurídica do país bem mostra ser possível detectar tais fatos com antecedência.
Proibir a presença da torcida adversária nos estádios é deixar mais sem graça ainda o nosso futebol. Passamos por uma crise sem precedentes na história do futebol brasileiro. Craques são escassos, a seleção nacional não empolga e nem se empolga (a propósito do tema, recomendo a leitura da coluna do confrade Sérgio Brandão), a frequência aos estádios está elitizada, assim como é limitado aos mais favorecidos assistir aos jogos pela TV por assinatura. Aos pobres resta o rádio, o que provavelmente levará a que aos poucos se afastem.
A beleza das manifestações das duas torcidas nos estádios – desde que civilizadas, é claro – é parte do espetáculo. Que maior alegria pode ter o torcedor no estádio do que olhar para a torcida adversária derrotada e entoar cânticos e gritos de guerra (verbal)?
Então, por favor, não me venham com manifestações demagógicas e elitistas. Reprimam a má conduta nos estádios e especialmente fora deles, mas nem por isso cavem mais um buraco na alegria que o futebol aos poucos vai perdendo.
* Quando me refiro ao presidente do Atlético como dono do clube, não pensem que não gosto dele. Gosto sim. Afinal, se construiu um belo estádio (não vou entrar no exame dos meios para tal), por outro nada ganha no futebol. Que continue assim. Vejo que, por força de sua gestão patrimonial e concomitante fracasso em campo, muitos atleticanos estão torcendo mais para o estádio do que para o time.
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