Bola de Couro
Retomo o assunto da última coluna a respeito do fundo de investimento imobiliário(FII) previsto para a construção de um novo Couto Pereira, agora lançando algumas dúvidas.
O primeiro ponto em relação ao qual tenho dúvida é quanto à participação do Coritiba como quotista no empreendimento. Segundo relatado pela direção, o Coritiba integralizaria as suas quotas mediante a entrega de imóveis, certamente pelo menos o atual Couto Pereira em razão do vulto do empreendimento, uma vez que somente o valor dos centros de treinamento jamais seria suficiente, de modo a contar então com mais de 50% do fundo. Essa perspectiva aparece também no material que recebi o qual, embora não refira exatamente o percentual, mostra em gráfico espaço maior do que a metade coberto pelas quotas do Coritiba. Tendo isso como certo passo a alguns questionamentos.
As normas relativas aos FII preveem que, em se tratando da entrega de imóvel como meio de integralização de quotas, o valor do mesmo será objeto de avaliação pelo administrador, pelo gestor ou por terceiro independente, e o quotista ofertante, neste caso, não tem possibilidade de voto na assembleia que deliberar sobre tal avaliação. Então pergunto: E se eventualmente a avaliação independente concluir que o atual Couto não valeria pelo menos mais da metade do investimento previsto? Em assim ocorrendo, considerando que o Coritiba comprovadamente não tem dinheiro para completar a integralização, pretende o clube participar mesmo sem ser o quotista majoritário? Ou abandonará o projeto? O clube já fez uma avaliação prévia e está seguro do valor do terreno do Alto da Glória? Caso o valor do atual estádio não alcance aquele mínimo, pretende o clube usar os centros de treinamento, se suficientes, para integralização da quota, então ficando sem patrimônio?
Por outro lado, de acordo com as mesmas normas que disciplinam os FII, a propriedade do imóvel é do administrador do fundo de investimento (propriedade fiduciária). Sendo assim, ainda que com a força da maioria das quotas e dos votos, o Coritiba não será propriamente “dono” do estádio, o que só poderá ocorrer se um dia houver dissolução do fundo, com transferência da propriedade para o clube. Parece-me que, se é verdade que um novo estádio pode abrir perspectivas para a recuperação das finanças do clube e o seu crescimento, não menos é verdade que alcançar esta finalidade demandaria muitos e muitos anos, sendo extremamente difícil que Coritiba possa adquirir o empreendimento. O leitor A. dal Pozzo, em comentário à minha coluna anterior, sustentou que mesmo que o Coritiba venha um dia comprar 100% das quotas a propriedade ainda seria do administrador, mas me parece, salvo melhor juízo, que em assim ocorrendo seria o caso de dissolução do fundo com atribuição da propriedade ao quotista único. Mas sejamos realistas, o Coritiba se tornar dono de todas as quotas é uma hipótese remotíssima.
Outro ponto. A administração dos bens do fundo compete ao gestor (repito, só pode ser entidade autorizada pela CVM, no mais das vezes um banco). Então indago, como se está prevendo a gestão do estádio no tocante ao uso e conveniência e rentabilidade dos eventos, considerando que a CVM diz que a administração cabe “exclusivamente” ao gestor? É certo que, se o Coritiba detiver mais de 50% da participação,e ainda tiver somadas as suas quotas às dos seus associados e torcedores terá voto decisivo nas assembleias, inclusive para destituir o administrador, em havendo fatos relevantes. Mas isso é exceção, não regra. Ou há abertura legal ou normativa para que o quotista majoritário intervenha diretamente na administração independente de assembleia geral. Confesso que pareceu-me que não, mas não fiquei seguro a respeito.
E pelas mesmas razões, em sendo entregue o atual Couto Pereira para integralização da participação do Coritiba, de acordo com as normas referentes aos FII a propriedade fiduciária do nosso atual estádio pertencerá ao administrador, ao qual caberá a gestão do mesmo. Como se dará essa gestão enquanto em construção o novo estádio e em uso o atual? E se a opção for por um dos projetos que preveem a construção no local atual, como se pretende proceder para que o clube sobreviva enquanto se executa a construção?
São as dúvidas que lanço de momento para reflexão e talvez resposta dos amigos leitores, como também para que a direção faça estes esclarecimentos e outros que entender convenientes, se este texto a ela chegar, de modo a dar tranquilidade aos torcedores – o verdadeiro e final alicerce financeiro do clube – no sentido de que se trata de avanço importante cujos passos estão sendo dados com total segurança.
Os projetos estão sob a apreciação do Conselho Deliberativo, que em breve deverá decidir a respeito. Está certamente em boas mãos, tanto pela qualificação dos seus integrantes como pela legitimidade democrática que eles detêm como eleitos que foram pela maioria dos associados. Mas a torcida também deve ser convencida e cooptada. O engajamento dos coritibanos, dirigentes ou não, associados ou não, é fundamental para que o projeto seja acolhido e caminhe para o sucesso. Se não estiver no coração da torcida, o empreendimento poderá dar certo, talvez. Mas se abraçado pelos coritibanos, a força dos nossos torcedores, inclusive na aquisição de quotas (eu o farei) será fator fundamental para certeza de sucesso.
A decisão exige maturação, responsabilidade, coragem e muita transparência.
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Um ponto positivo que se pode extrair das intenções da diretoria do Coritiba quanto a um novo estádio é que da ação em andamento decorre logicamente a conclusão no sentido foi desconsiderada e ignorada, com sobradas razões, uma proposta que o ex-presidente Gionédis lançou logo após a primeira notícia da atual direção anunciando a intenção da construção de novo estádio do Coritiba(veja aqui), sugerindo estádio único na Arena da Baixada, como se futebol não fosse muito mais do que um negócio. Com a nossa história e tradição é inconcebível que se possa pensar em união com o rival para que o nosso futebol passe a acontecer no seu estádio. E digo “união” quase como um eufemismo, pois sabendo da inteligência e argúcia do comandante perene do rival, não tenho dúvida de que ficaríamos muito mais em posição de “submissão” do que de condôminos. E poderia o início do fim do Coritiba. Mas felizmente está afastado o risco.
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