Confabolando
Gabriel ainda era um menino. Pouco conhecia da vida, sequer pensava em planejar seu futuro e queria curtir cada momento.
Certeza tinha apenas uma: futebol era uma das coisas que mais prezava na vida. Franzino, de pouca estatura, era rápido e decisivo nas peladas com os amigos. Depois do par ou ímpar era sempre o primeiro a ser escolhido. “O Gabriel é meu”, dizia o amigo vencedor na disputa anterior ao início do jogo.
Menino humilde, da periferia, tanto cansou a mãe que lavava e secava diariamente sua única camisa verde e branca que acabou ganhando mais uma do tio, metalúrgico em uma fábrica em Araucária.
Gabriel herdou do seu pai, falecido em um acidente de trânsito, o amor pelo Coritiba. Uma coisa terna e agressiva ao mesmo tempo. Difícil descrever. Olhava para aquele time como se o seu pai estivesse ali, dentro do Couto Pereira, jogando entre os onze. Na verdade, para o Gabriel, era isso mesmo. A memória viva do seu pai estava representada por duas cores e onze jogadores em campo. Vencer era necessário para que a memória do seu pai se fortalecesse.
Viu, em 1989, um time de craques comandados por Tostão. Ainda tinha o Osvaldo e o Kazu, que lembrava seu estilo de jogo na pelada. Mas o camisa 10 do time da pelada no Capão Raso tinha Tostão como seu ídolo. Cada vez que marcava um gol saia correndo em velocidade e lançava-se ao ar, imitando Pelé, socando o ar e gritava em um desabafo:
- Toooosssstãaaooo
Depois disso, nunca mais viu um grande time do Coritiba jogar. Teve, sim, grandes momentos de alegria. Acompanhou a chegada do Coxa por duas vezes às semi-final da Copa do Brasil, por algumas vezes sonhou com o título brasileiro e levou alguns campeonatos paranaenses. Mas depois daquela canetada da CBF e seu presidente, o Ricardo Teixeira, não viu mais grandes desfiles de craques e um time jogando como aquele de 1989.
Dois anos antes, em 1987, foi quando perdeu seu pai. Representante comercial, seu Gomes voltava de uma viagem a negócios que fizera para Joinville exatamente no dia 14 de maio daquele ano. Um motorista de caminhão perdeu o controle em uma curva e o carro em que seu Gomes estava foi atingido.
Aquele 14 de maio ficou marcado para sempre em sua vida e a cidade de Joinville também. Aos prantos, no velório do seu pai, sentenciou:
- Eu jamais voltarei a esta cidade.
O pensamento mágico de criança e a necessidade de atribuir a culpa a alguém fez com que este peso recaísse sobre uma cidade tão simpática quanto hospitaleira. Joinville pagou o pato na cabeça de Gabriel sem que, obviamente, representasse qualquer culpa no trágico acidente.
Hoje, com 27 anos, Gabriel é casado e tem uma filha, com cinco anos. Amanda é Coxa desde o nascimento. A primeira roupinha que ganhou foi do Coritiba. O primeiro passeio, ainda quando bebê, foi ao Couto Pereira.
- Seu Gomes ia se orgulhar, pensa o nosso personagem.
Depois de ficar um pouco afastado do Coritiba no início deste ano por todos os problemas que aconteceram com o clube, Gabriel tomou uma decisão. Nesta semana ele vai quebrar uma promessa que já dura vinte e dois anos. Ele deixará Amanda com sua esposa, Mirian, na sexta-feira a noite em casa. O programa semanal de alugar um filme e pedir uma pizza em casa não terá a companhia do pai de família.
Junto com dois amigos Gabriel vai até Joinville no caminho que tirou a vida de seu pai. Lá, com onze jogadores Alviverdes em campo, verá a imagem sorridente do seu pai em cada um deles. Seu Gomes estará representado por Edson Bastos no gol, por Leandro Donizete no meio campo e Ariel no ataque.
Joinville, que até hoje sempre signficou a morte para Gabriel, poderá se transformar na cidade do renascimento. O ressurgir do Coritiba, clube que ama tanto quanto seu falecido pai. E para Gabriel, ele, seu Gomes onde quer que esteja acompanhará seu filho e o time do coração de uma família Alviverde, transformando a morte em vida.
A simpática cidade catarinense será o Alto da Glória durante dez jogos e também o palco de reencontro de Gabriel com seu Gomes e o Coritiba.
Os comentários deste conteúdo estarão concorrendo a um dos 100 prêmios da promoção COXAnautas e Coxamania devido ao novo layout do Portal CXn. Para saber mais clique aqui.
A opinião dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
Cada colunista tem sua liberdade de expressão garantida e assinou um termo de uso desse espaço.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)