Confabolando
Bachorro era peão. Trabalhava em um canteiro de obras ali no Bigorrilho. Carregava cimento nas costas como poucos. Que força tinha o Bachorro, pensavam os seus colegas de profissão. O mestre de obras admirava a capacidade de Bachorro em levar materiais de construção para cima e para baixo. Por este motivo tinha seu respeito.
Bachorro ganhou uma foto, vestindo seu capacete azul, na viga principal da obra. “Funcionário do mês” estampava o cartaz que fez o jovem operário sentir-se o rei do pedaço. As mulheres que passavam em torno da obra nem sequer tinham ouvidos para os assobios e gracejos dos seus colegas de obra. Fixavam os olhos naquele homem que não parava de trabalhar e segundo relatos era boa pinta.
Bachorro teve um aumento em pouco tempo de trabalho. “Merecido”, garantiu o mestre de obras Valdir ao engenheiro que cuidava da edificação. Pão duro, pensou em questionar, mas decidiu não discutir. Dê-se então o aumento ao tal Bachorro, afirmou Carlos, o engenheiro.
Enquanto os dois conversavam, Bachorro viu na entrada do canteiro de obras um carro parado. Era conversível, ele nem sabia distinguir a marca. Dentro dele uma mulher linda retocava a maquiagem mirando um espelho que retirara da bolsa. Ao passar o batom e fazer o clássico “biquinho” Bachorro sentiu que aquela vida, que até então lhe era feliz, não servia mais.
Pouco importava se era amigo de todos na obra. Pouco importava se os vizinhos dos arredores, com os quais sempre conversava, lhe tinham carinho e o maior apreço. A gratidão de seu chefe que lutara por um aumento já não lhe parecia tão fantástica. A amizade dos colegas de obra, então, ficou para trás.
Bachorro queria ser engenheiro. Mas não sabia direito como. Conversou com alguns amigos de boteco, com um cunhado e um conhecido que tinha feito curso técnico de edificação e pegou umas dicas. Foi ter também com um conhecido, que lhe indicaram, rival do mestre de obras Valdir, que tanto carinho lhe tinha. Este rival, de nome César Marfoz, disse que teria solução ideal para o seu caso.
Disse que pelo perfil apresentado Bachorro tinha o necessario para ser um engenheiro, um grande construtor. Em pouco tempo poderia ter sua própria empreiteira e quem sabe investir no mercado internacional da construção civil. Parceria com grandes empresas como Gerdau então seriam o próximo passo. Os olhos de Bachorro piscaram tão forte que o cegaram. Todas as outras conquistas ficaram para trás.
Bachorro então largou a obra pela metade e abandonou o seu pessoal. A gratidão, virtude que lhe parecia latente, ficou perdida no meio do cimento e da argamassa de seu antigo trabalho. Partiu sem dar maiores explicações. O pessoal até que suspeitou, afinal, o seu jeito falante e alegre foi substituído por um silêncio preocupante nas últimas semanas.
Logo em seguida Bachorro se apresentou ao seu novo emprego. Marfoz conseguiu a ele um trabalho fantástico, em sua opinião. Começaria a comandar uma obra pela primeira vez. Era a construção de um sobrado, ali no Uberaba. Bachorro tinha a sua disposição uma equipe de duas pessoas, pouco pelo prazo e tamanho da construção.
Não era o engenheiro, como lhe foi prometido. Era uma mistura de mestre de obras com peão. O salário, embora um pouco maior, não lhe trouxe o conforto que imaginava. A canseira e a responsabilidade, sem o carinho do antigo trabalho, foram lhe abatendo. Marfoz sumiu. Aparecia de vez em quando para lhe cobrar mais agilidade e as palavras de incentivo foram trocadas por cobranças ásperas.
Cansado, sem dinheiro e infeliz Bachorro já não gostava tanto de trabalho. Lembrava com saudades do tempo em que tinha carinho, conforto, dinheiro e proteção. Esta falta de felicidade fez com que fosse um mau chefe, embora, tivesse apenas duas pessoas para comandar. Bachorro deixou de ser aquele grande profissional, afinal, atropelou uma etapa em sua carreira. Deu um passo maior que a perna.
Certo dia, seus dois funcionários, insatisfeitos com atrasos no salários por parte e as ordens duras que vinham de cima para baixo, faltaram. Bachorro sentiu todo o peso do mundo em suas costas. Precisava continuar a obra sozinho naquele dia. Até que na pressa, infeliz e por um erro de cálculo que deveria ter sido feito por um engenheiro, além da ausência da concentração necessária caiu da laje do sobrado que construía, que também veio abaixo.
Seu corpo despencou como a felicidade e o carinho que tinha deixado para trás. A cabeça partiu no tijolo onde há pouco estava sentado, lembrando do olhar paternal do seu Valdir. O pescoço dobrou-se como sua vaidade não foi capaz enquanto o corpo cansado chocou-se contra o chão e descansou para sempre.
No enterro, ninguém para chorar e lamentar. Bachorro era sozinho. Ou melhor, ficou sozinho. Bachorro deixou para trás tudo o que conseguiu conquistar em busca de uma aventura. Não esperou o tempo certo para dar um passo adiante. Este foi o fim de Bachorro, o peão que quis ser engenheiro antes da hora.
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