Confabolando
Todos temos na vida alguns professores diferentes. Muitos deles não são aqueles que ficam em pé a sua frente desfilando conhecimento. São mestres por natureza, sem a necessidade de títulos para isso. Um dos meus professores é o Betinho. Seu nome completo é Sérgio Magalhães Garschagen. Capixaba, da terra de Rubem Braga, Carlos Imperial e Roberto Carlos, a pequena Cachoeiro de Itapemirin. Betinho tem entre os seus predicados o dom de contar histórias, estórias e escrever. Não por acaso virou jornalista. Pena torcer para o Flamengo. Sérgio passará eventualmente a colaborar com o blog. Como eu sempre lhe disse: "Fala Betim"
Arara suja a bola de Zizinho
Sérgio M. Garschagen
No antológico faroeste “O Homem que matou o facínora”, o diretor John Ford ressaltou a máxima de um velho jornalista da cidade de Shinbone, John Dutton: ”quando a lenda se torna mais interessante que a realidade, imprima-se a lenda”.
Gostaria muito de adotar essa máxima jornalística para, aqui nesse espaço, imprimir as diversas conquistas recentes do Flamengo. Mas devo me render à realidade de que, fora do Rio de Janeiro, conquistas expressivas do meu time estão mais escassas que anquinhas, anáguas e combinações.
Assim, me permitam os leitores do blog uma digressão de cinqüenta anos para entoar loas à partida em que o Estrela do Norte Futebol Clube, clube da Princesa do Sul - como é conhecida poeticamente a capixaba cidade de Cachoeiro de Itapemirim - enfrentou o então temido time carioca do Bangu, que contava em seu ataque com um dos maiores craques que o Brasil conheceu - Zizinho.
Antes, algumas poucas observações prévias se fazem necessárias:
Apesar de bons jogadores, como Jair Batata que brilhou no Cruzeiro com o apelido de Jair Bala - por causa de um tiro na coxa - e Alcenir, que sempre atuou no Estrela, há quem afirme que Cachoeiro - terra que gerou talentos do porte do cronista Rubem Braga, do cantor Roberto Carlos, os atores Jece Valadão e Darlene Glória, além do multimídia Carlos Imperial, entre outros artistas - ainda está a dever ao país um grande nome no esporte e, em particular, um craque no futebol.
Bons jogadores, quando aparecem no ES, acabam logo absorvidos pelos times mineiros e cariocas. Talvez por isso a histórica versão da partida entre o Bangu e o Estrela tenha entrado para a categoria das lendas cachoeirenses.
Thomaz Soares da Silva, nascido no distante ano de 1922, já estava praticamente em final de carreira quando disputou o amistoso – partida renhida - contra o Estrela. Considerado um craque refinado, aos 19 anos era titular do então todo-poderoso Clube de Regatas Flamengo, que a Rádio Nacional – a Rede Globo da época - fazia questão de enaltecer, em ondas curtas, para todos os rincões do país.
Zizinho, aos 25 anos, recebeu o título de melhor jogador da Copa de 50. Era o ídolo confesso de um menino mineiro que os amigos lá de Três Corações apelidaram Pelé. O grande azar de Zizinho foi participar da seleção que perdeu a Copa de 50 em pleno Maracanã.
Apesar da derrota, o correspondente do jornal italiano “Gazzetta dello Sport” registrou em sua reportagem: “O futebol de Zizinho me faz recordar uma obra prima de Da Vinci”.
Fim das considerações prévias.
A partida em Sumaré foi vencida pelo então poderoso Bangu por 3 X 1. Era um time bem melhor àquele que chegou à final do Brasileirão de 1985 e foi derrotado pelo Coritiba. ( Essa foi uma provocação gratuita! )
Zizinho, entretanto, era uma sombra que deslizava apática pelo campo. Seu marcador era Arara, mais conhecido em Cachoeiro pela presença de espírito e pela polidez no trato com os amigos que pelo futebol. A polidez, aliás, independia da sua profissão principal: lustrador de móveis.
Registra também o folclore local que Arara costumava aparecer furtivamente na plantação de abóboras da chácara da família Athayde para colheitas noctívagas. Sempre escolhia a cucurbitácea mais bonita. Repreendido severamente pelo dono da chácara, que passou uma noite de tocaia à espera do ladrão, Arara saiu pela tangente: “Desculpe doutor, pensei que fossem abóboras nativas”.
Essa era a peça que marcava o craque Zizinho. Toda a cidade estava lá para ver a sensação da Copa de 50, autor de 143 gols no ataque do Flamengo e que ao substituir Leônidas da Silva, não permitiu que o Diamante Negro deixasse saudades na nação rubro-negra.
Entretanto, sempre que Zizinho recebia um passe ou pegava a bola, Arara o desarmava e saia pela tangente com aquela competente presteza dos colhedores furtivos de abóboras.
A torcida do Estrela, impaciente, pagara para ver Zizinho e não Arara. As vaias foram ficando mais fortes a cada roubada de bola. Cônscio de seu papel de simples coadjuvante na partida, o próprio Arara, ao desarmar Zizinho mais uma vez resolveu dar um basta naquele história.
Dizem os colegas do Estrela, velhos senhores aposentados, que após desarmar o craque ele parou, pegou a bola com as duas mãos e estendeu-a ao ídolo, com humildade:
- Quem sou eu mestre para tirá-la de você?!!
Há sempre um chato de plantão a querer contar a história real em versões cada uma mais sem graça que a outra.
Prefiro a lenda ao fato.
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