Confabolando
A proposta é simples e espero que não seja tão polêmica. Abrir espaço para "Os outros", ou seja, torcedores que não tiveram a mesma felicidade que nós, Coxas-Brancas, em torcer para esta centenária instituição.
Sempre com muito respeito e com o objetivo de cultivar a rivalidade sadia, sem baixarias e também poderemos conhecer melhor nossos adversários. Afinal, é sempre bom conhecer bem o inimigo.
Hoje, quem abre esta seção é meu amigo Rafael Lemos, que tem apenas um defeito. Torce para o time "deles". Rafa, assim como o Paulo Leminski em 1985, abre mão de seus pudores clubisticos e nos conta uma história, no mínimo, interessante.
Com a palavra, "Os outros":
Premonição
Gibran Mendes é meu amigo. Azar o dele. Ele é coxa-branca e eu sou atleticano. Sorte minha. Todo dia, no fumódromo da Secretaria de Estado da Saúde, a gente disputa um Atletiba. Rivalidade boa também é rivalidade. Somos amigos e rivais: podíamos virar nome de novela do SBT. Gibran Mendes é o meu amigo do coxanautas. Tenho, portanto, mais amigos no coxanautas do que na furacao, site onde fui colunista por dois anos.
Hoje, na hora de fumar o cigarrinho da manhã, não convidei o Gibran. Pensativo, fui sozinho ao fumódromo, acendi meu marlborinho vermelho e, quando estava eu já na metade da chupeta do diabo, eis que o cordial amigo aparece, dando-me uma bronca:
- Pô, Rafa, veio fumar e nem me chamou? Que consideração a sua hein?
- Estou com uma sensação ruim, Gibra! – tentei me defender.
- Que sensação? Tá doente?
- Pior!
- Pior?
- É, Gibra, pior que estar doente!
- Que sensação é essa, amiguinho?
- Tô com a mesma sensação que tive em 1985, quando vocês foram campeões brasileiros!
Senhores, quando falei isso o Gibran arregalou os olhos, quis saber detalhes e aí eu tive de contar a história, voltando ao já longínquo ano de 1985. Pois então vão vendo. Em julho de 1985 eu estava para completar 10 anos de idade e o Gibran só faria 3 anos no mês seguinte, de onde se conclui que ele até hoje só conseguiu comemorar títulos paranaenses.
Em julho de 85, definiram-se os semifinalistas do Brasileiro: Atlético de Minas X vocês e Bangu X Brasil de Pelotas. Curitiba respirava a decisão. Todas as conversas, em todas as esquinas, convergiam para as semifinais. De um lado vocês, custando a acreditar que tinham ido tão longe; doutro lado nós, não querendo crer na proeza protagonizada pelo arquirrival.
Nós, Rubro-Negros, sustentávamos que vocês não passariam pelo nosso xará mineiro, mas eu disse nós e já retifico: eu não sustentava essa tese, porque sentia que vocês iriam levantar o caneco daquele ano. Por dias a fio, fiquei em silêncio. Um silêncio preocupado, entremeado por orações onde eu pedia que o título ficasse bem longe da Ubaldino do Amaral, 37.
Naquela época, tinha por grande interlocutor meu avô, Félix Pedro, coxa-branca doente e apaixonado. Conversávamos longamente sobre tudo, sobretudo quando o assunto era futebol. Na segunda-feira posterior à eliminação do Galo, definidos vocês e o Bangu como finalistas, eu estava irremediavelmente quieto. Fui para a sala jogar videogame, isolado de tudo e de todos. Meu avô, preocupado, veio atrás:
- Finha, você veio brincar sozinho e nem quis falar comigo! Que consideração a sua hein?
- Estou com uma sensação ruim, vô! – tentei me defender.
- Que sensação? Tá doente?
- Pior!
- Pior?
- É, vô, pior que estar doente!
- Que sensação é essa, Finha?
- Tô com a sensação de que vocês vão ser campeões brasileiros e isso me deixa muito triste, como atleticano!
- Mas essa tua sensação... por que você acha que o Coxa vai ser campeão, Finha?
- Por causa do Rafael! Ele jogava muito no Atlético, nunca devia ter saído. Ele foi nosso herói no bicampeonato de 83. Um jogador assim faz toda a diferença. Eu sinto isso, vô!
O vô abriu um sorriso e disse apenas “Deus te ouça!” e o resto da história vocês bem conhecem. E hoje o Gibran me pegou pensativo:
- Pô, Rafa, veio fumar e nem me chamou? Que consideração a sua hein?
- Estou com uma sensação ruim, Gibra! – tentei me defender.
- Que sensação? Tá doente?
- Pior!
- Pior?
- É, Gibra, pior que estar doente!
- Que sensação é essa, amiguinho?
- Tô com a mesma sensação que tive em 1985, quando vocês foram campeões brasileiros! Tô achando que vocês podem pregar uma peça nesta Copa do Brasil!
- Mas essa tua sensação... por que você acha que o Coxa vai ser campeão da Copa do Brasil, Rafa?
- Por causa do Marcelinho Paraíba e dessa sintonia que ele estabeleceu com a torcida de vocês e que anda contagiando as bandas esmeraldinas. Ele tem alma de campeão. Um jogador assim faz toda a diferença. Eu sinto isso, Gibra! Eu sinto isso...
O Gibran abriu um sorriso e disse apenas “Deus te ouça!”, e o resto da história ainda ninguém conhece. Gibran, tomara que essa minha sensação esteja errada. Azar o seu. Sorte minha. Todo dia, no fumódromo da Secretaria de Estado da Saúde, a gente disputa um Atletiba. Amanhã, é claro, tem clássico: Amigos e rivais – quase uma novela do SBT -, pois rivalidade boa também é rivalidade. E das grandes!
Rafael Lemos é meu amigo e tem apenas um único defeito. Advogado e professor de português, tem como bom costume alimentar a rivalidade sadia entre as equipes paranaenses.
Se até eles, que não querem, acreditam. Então não seremos nós a deixarmos de acreditar.
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