Confabolando
Imaginem a cena: a mulher chega em casa, abre a porta e a primeira coisa que ela vê é o marido, professor universitário, ajoelhado no chão. Com uma das mãos estendidas ao céu ele grita, enquanto o outro braço passa pelos lados da TV como quem abraça alguém que ama muito. De sua boca, totalmente aberta, sai o som que corre pela garganta com as veias saltadas pelo pescoço de tanto esforço: "Goooooooooollllll".
A cena é hipotética, é claro. Mas facilmente aproximada de nossas realidades. Quem nunca fez algo semelhante ou viu uma situação parecida quando falamos de futebol? Amor em sua mais intransigente e intensa forma. Assim é a relação dos torcedores com seu time do coração.
Mas, agora, tente imaginar a mesma esposa, na sequência da cena, indo em direção ao seu marido, colocando as duas mãos em sua cabeça e em um movimento suave abaixa-se até beijar levemente sua testa e dizer: "Ah, meu amor. Sempre tão racional...". Este é um fato que certamente jamais presenciaremos, muito embora alguma vezes esta observação seja comum no futebol.
Não precisa muito, talvez algumas poucas derrotas ou resultados insatisfatórios, para algum profissional da bola dizer: "O torcedor é passional". A desculpa, mais do que esfarrapada, esbarra com toda a força na terceira lei de Newton e no senso comum. Ora, cidadão, é claro que torcedor é passional. Estamos falando de amor incondicional, e caso os torcedores não fossem passionais, ao menos no Brasil, certamente não existiria mais futebol.
Quem em sã consciência daria um forte e afetuoso abraço em sua tv ao ver um gol do seu time? Quem é que choraria de alegria ao ver seu time campeão? Quem faria promessas esdrúxulas sem vergonha alguma se não fosse pelo bem do seu time? É claro que o torcedor é passional.
Tão passional que continua amando seu time e acompanhando futebol quando tem no comando da Confederação Brasileira de Futebol alguém como Ricado Teixeira. Não deixa de lado mesmo que ano após ano pipoquem denúncias de irregularidades na arbitragem. Mesmo que não exista a mínima transparência no comando dos clubes de futebol ou ainda a menor segurança, seja dentro do estádio, fora dele ou ainda numa fila para a compra de ingressos. Até mesmo quando golpes são aplicados, no caso de clássicos com torcida única ou ausência da entrega de um troféu.
Mesmo assim o torcedor continua acompanhando o futebol e, por consquência, mantendo-o vivo no Brasil. O que faz com que os profissionais da bola possam alcançar salários inimigináveis, que dirigentes tenham poder e popularidade que jamais imaginaram e que gente possa aproveitar-se de um esporte - que desejam transformar em entretenimento - até o fim.
Mais curioso ainda é que normalmente estes são os personagens que reclamam do fato de o torcedor ser muitopassional.
É, pensando bem, às vezes nem deveria ser tanto.
Em tempo: Embora seja atitude muito infantil, Marcel tem todo o direito de não comemorar seus gols pelo Coritiba. O que queremos dele não é comemoração, mas sim gols e boas atuações. No primeiro caso são raros, no segundo inexistentes. Mas caso não esteja feliz com o clube, contrato ou torcida, acredito que pode sim pedir para sair numa boa conversando com a diretoria. O próprio Tcheco, em entrevista na saída do gramado, disse que o Coritiba pareceu um time de várzea. Coisa de quem é experiente, sincero e não tapa o Sol com a peneira. O gol no final mudou o resultado, mas não a atuação do time que precisa melhorar muito para o campeonato brasileiro. O Coxa precisa de mais Tchecos e menos Marcels.
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