Confabolando
Juca e Bruno eram vizinhos. Juca, o mais velho, desde pequeno mostrou ser determinado. Seu pai, mecânico, trabalhava duro na oficina para colocar comida na mesa. Mas mesmo assim, juntando algumas peças e comprando outras, foi aos poucos juntando o material necessário para fazer um carro para quando seu filho completasse 18 anos.
Enquanto isso, Bruno, o mais novo, com uma ponta de arrogância tirava sarro do esforço do Seu Almeida para montar um carro para o vizinho. Dizia que aquilo tudo era besteira, fazia pouco caso e até tentava tirar sarro de Juca junto aos outros vizinhos, que ameaçavam uma ou outra risada, mas no fundo gostariam de ter um pai não apenas preocupado, mas que demonstrasse a eles mesmos o quanto é necessário esforço para conseguir o que é seu.
Quando chegaram a adolescência a febre por carros cresceu. A turma toda tinha entre 15 e 18 anos. Juca, quase chegando à maioridade penal, já podia dar algumas voltas no bairro com o seu carro. Era a alegria da rapaziada do bairro. Todos davam voltas e ele, generoso, volta e meia emprestava para os amigos darem uma “banda”.
O único que recusava os convites para o Juca Móvel, como os amigos carinhosamente chamavam o veículo do vizinho, era Bruno. Ironizava a forma como o carro foi feito, ignorando os anos de luta, disciplina e doação do pai do vizinho. Não se sabe ao certo o motivo, mas fato é que fazia pouco caso. Ao ver o possante passando costumava dizer: “Lá vai o Juca e seu Pinga-óleo”.
Contudo, o carro que seu pai tinha e lhe propôs emprestar vez ou outra não servia. Faltava uma porta e outro pedaço era remandado. “Não está completo”, dizia Bruno. Este fato, por exemplo, impedia de grandes deslocamentos com o carro. O mercadinho do Bairro era o limite, afinal de contas, para ir mais longe era preciso ter um carro completo, inteiro, acabado.
Nâo que fosse falta dinheiro, afinal, a família de Bruno dizia ser muito abastada para as redondezas. Mandou, por exemplo, importar casacos uruguaios e roupas do Equador. Elas deveriam ser utilizadas sempre na segunda-feira, tradição familiar.
Mas ao esbanjar, faltava dinheiro para finalizar o carro que continuava encostado e servindo apenas para translados curtos, sempre guiados pelo pai, uma vez que Bruno continuava com vergonha e até receio de dirigir seu automóvel, mas sem abrir mão das gozações contra Juca.
Os anos se passaram e a novela seguiu exatamente da mesma forma. Um gastando dinheiro e outro poupando. O carro de Juca já era o maior e melhor do bairro. De longe. Mas mesmo assim Bruno continuava com a galhofa. Mas ao perceber que seus argumentos esgotavam-se, pediu para que seu pai, funcionário público, abrisse um crédito para terminarem finalmente o carro da família.
Ocorre, que enquanto o financiamento do funcionário público era avaliado, Bruno teve proposta para fazer alguns trabalhos em outra cidade. O negócio parecia ser bom, contudo, ele precisaria de um carro e não existia outra opção de transporte rápida e ágil o suficiente. Precisava para já.
Esperou a chegada do seu pai em casa e comentou com ele tudo o que aconteceu. Também falou sobre a forma como ficou pensando, várias vezes, em engolir o seu orgulho e pedir emprestado, para Juca, o carro por dois dias. Para que pudesse ir até a cidade vizinha e fazer seus negócios. Seu pai, servidor público, ouviu tudo atentamente e com olhar resiliente falou para o filho:
“Bruno, durante anos você tirou sarro do Juca, mesmo ele tendo algo que você não tinha. Não lhe parecia óbvio que isso aconteceria? Quantos anos tua mãe lhe disse que a língua era o chicote da bunda? Agora, filho, a única coisa que você pode fazer é não pedir emprestado. Tenha dignidade. Vou lhe ajudar a ter o seu carro completo, com o financiamento, mas mostre coerência”.
Bruno, entendeu o recado. Teria a ajuda do pai para ter seu carro completo.
Mas sentindo a vergonha percorrer os vasos sanguíneos do seu rosto, ruborizado de constrangimento, concordou com o pai e foi dormir. Sem carro e sem negócios.
Hoje, 3 de janeiro, é um dia especial para mim. O real motivo de ser Coxa-Branca e também existir completa 61 anos. Aniversário do meu pai. Feliz Aniversário Mendelau. O homem que me ensinou a ser jornalista, torcedor do Coritiba e, sobretudo, noções rígidas de caráter.
Do teu filho, que cheio de orgulho do pai que tem, te ama muito.
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