Confabolando
Pedro era um menino bonito. Tinha sete anos de idade e uma rotina normal. Escola, algum curso e casa. Adorava aula de ciências e educação física. Como costumavam dizer, tinha a cabeça "avoada". Vivia no ar. Portanto, nada mais normal que adorar astronomia. Gostava de saber dos planetas, luas, espaço, universo e as estrelas. Quando pequeno perguntava à sua mãe se um dia poderia tocar as estrelas. Dona Muriel sorria e balançava a cabeça em sinal positivo antes de Pedrinho cair no sono.
Gostava tanto de estrelas que até aprendeu, com seu pai, um poema do Olavo Bilac que falava sobre elas.
- E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Sempre repetia com orgulho o poema. Aprendeu a ler e a gostar de ler. Dividia suas horas com o computador, os livros e o futebol. Ah, o futebol. Era onde gastava todas as suas energias, seja dentro de campo ou na arquibancada. Duas vezes por semana escolinha de futebol. Um dia era reservado para ir até o Couto Pereira com seu pai e outro para acompanharem o Coxa pela televisão. Coloque sua família e amigos neste cenário e quadro de uma vida feliz estava pintado em traços leves e coloridos.
Mas um borrão cinza deslizou como um pincel sobre a vida de Pedro, manchando a sua visão e a sua aquarela que começava a ser construída. Um oftalmologista foi convocado para fazer uma avaliação e a conclusão chegou da pior maneira possível aos olhos de todos. Pedro tinha uma doença incurável e em pouco tempo estaria cego. Talvez lhe sobrasse alguma visão, mas pouca coisa, algo como distinguir luzes distantes. Foi um choque para todos.
Passados os primeiros momentos de muita angústia, aos poucos ele foi amadurecendo sua relação com aquilo tudo. Pedro era dono de uma coragem invejável e que causava surpresa a todos que viviam em sua volta. Amplamente apoiado por seus pais, começou os preparativos para o que estaria por vir. A perda seria, como de fato foi, vagarosa como uma bola que caminha para o gol com um zagueiro em sua cola.
Pedro, desde cedo, adorava analogias. Ninguém entendia como um menino com aquela capacidade toda estava tendo um destino tão difícil. Dona Muriel respondia que era para Pedro se tornar ainda mais sensível e forte. Palavra de mãe não tem erro.
Uma de suas primeiras tarefas, enquanto ainda tinha visão, era aprender Braille. A estrutura basicamente é simples. Um retângulo, com as linhas mais longas na vertical, na qual há espaço para seis pontos. A combinação deles é que dá razão a uma letra e em sequência formam palavras. Pedro, em sua primeira aula, olhou para sua mãe e perguntou se aqueles pontos não lhe pareciam estrelas. Sua mãe piscou, com olhos marejados, como quem lhe dava toda razão do mundo.
- Então agora eu não só as tocarei, como vou aprender a ler estrelas!
Dois meses depois passou a ler em Braille com fluência, velocidade muito superior ao convencial. A sua sensibilidade para o toque nos pontilhados que o papel tem surpreendeu. Aprendeu o alfabeto e depois desenvolveu a sensibilidade como poucos previam, isso ainda antes de perder a visão. Fez alguns outros exercícios e preparou-se para o inevitável. A noite gostava de ficar olhando estrelas, enquanto ainda podia ver. Brincava de ler as estrelas, ora em Braille, ora no céu. Sua disposição especial formavam letras e códigos que Pedro repartia com seu pai e sua mãe.
Procurava não alterar sua rotina. Manteve todas as suas atividades, principalmente o futebol. Se jogar exigiria um treino diferenciado, com bolas específicas para a prática do esporte, o caminho até o Alto da Glória continuaria igual. As imagens dos campos, da torcida e das jogadas já estavam em sua cabeça. Tudo isso se desenharia sozinho com a ajuda do locutor.
Durante o processo de "borragem" da visão de Pedrinho ele não deixou de ir ao Alto da Glória. Viu o Coxa lutar contra a queda para a segunda divisão. Era sua última batalha daquela forma. Acompanhava tudo. As notícias, os comentários e as conversas que tomavam conta da cidade. Viu o Coxa ganhar no canto da galera contra o Palmeiras, a vitória suada contra o Atlético Mineiro e o gol no último minuto de Marcos Aurélio no AtleTiba.
Os olhos, com a visão já deficiente, choraram de alegria quando Pereira fez o gol de empate no Couto contra o Fluminense. Mas esses mesmos olhos choraram com a queda do Coritiba para a segunda divisão e com as tristes de cenas de violência ao final da partida. Pedrinho foi embora aos prantos e nos braços do pai que não sabia o que fazer para o consolar.
Naquela noite, enquanto os pais viam TV, Pedrinho deitado no sofá ficou olhando pela janela, nas estrelas, leu alguma coisa e deu uma pequena risada. Seus pais perguntaram o que havia acontecido, já que estava triste desde a saída do estádio e ele responde que nada e ficou ali, lendo suas estrelas.
Depois daquela noite o processo avançou rapidamente e ele, dois meses depois, já tinha chegado no limiar da visão máxima que teria. Algumas poucas luzes. Hoje Pedrinho já lê estrelas na ponta dos dedos.
Na sua visão lhe sobraram alguns poucos vultos, sombras e luzes. Mas seu olhar continua vivo com uma luz que sai de dentro dos seus olhos. Com oito anos mantém viva a alegria de viver e continua lendo livros como sempre. Planeja a vida e quer ser empresário. Deseja ter uma gráfica em Braille, levar literatura, sonhos e imaginação para quem não pode visualizar com os olhos as imagens que a mente cria.
Também continua acompanhando o Coritiba. Brinca que quando acontecer um novo Green Hell, com o Couto lotado, será tanta luz que conseguirá ver o Alviverde novamente.
Foi duas vezes para Joinville com seu pai. Acompanha o noticiário na televisão, no rádio e também na internet com auxílio de um software que lê o que está na tela do computador. Ouviu, com sua família, a partida do Coxa contra o Santo André. Ao final do jogo deu apenas uma risada, de canto de boca. Seu pai perguntou curioso qual era o motivo e Pedrinho respondeu:
- Lembra quando eu sorri no sofá depois da partida contra o Fluminense e vocês me perguntaram o que aconteceu? Eu li nas estrelas que o Coxa ia subir e ele vai subir.
A opinião dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
Cada colunista tem sua liberdade de expressão garantida e assinou um termo de uso desse espaço.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)