Confabolando
Voltamos novamente com a sessão "Os outros", cujo objetivo é abrir para discussão e também a possibilidade de conhecermos melhor a história do futebol e também de nossos adversários, que vivem além do Monumental do Alto da Glória.
O convidado, desta vez, é o grande atleticano Daniel Lansky. Meu amigo e grande "discutidor" de futebol. Lanksy é mineiro e fala sobre um de seus grandes amores, o Atlético-MG. Ele lembra, inclusive, da semifinal de 1985 quando todos apostavam suas fichas no "Galo Mineiro", uma das sensações do futebol brasileiro naquela época. Mas, no final das contas, quem passsou foi o Coxa. Qualquer semelhança com os dias atuais, não é mera coincidência.
Com a palavra, o jornalista mineiro Daniel Lanksy:
Galo e Coxa: Histórias que se encontraram em 1985
Que me perdoe Nelson Rodrigues, mas seu Sobrenatural de Almeida sempre jogou contra o Galo das Alterosas. Sim! Sempre que pode, o tal Sobrenatural esteve lá, como executor impiedoso sempre contra a paixão atleticana. Entretanto, o nosso adversário sobrenatural sempre foi bem mais complexo do que o do Nelson, que se limitava a fazer gols inexplicáveis. O nosso age por meio de um conjunto de ações enigmáticas, sempre nos momentos mais cruciais, que sempre levam a nação atleticana às lágrimas.
Obviamente que, quando foram anunciados os quatro semi-finalistas do certame nacional de 1985, um favorito natural seria elegido pela mídia: o Atlético MG – primeiro campeão brasileiro, em 1971, e vítima dos históricos roubos nas finais de 1980, no campeonato brasileiro, e em 1981, na Libertadores, no Serra Dourada, em Goiânia, ambos contra o Flamengo – seria o provável campeão contra adversários que, no papel, possuíam times inferiores e menor tradição no futebol nacional. Coritiba x Atlético MG e Bangú x Brasil de Pelotas: estes eram os confrontos que precisavam ser disputados antes da final daquele ano.
Agora me arremeto a minha infância. Natural de Belo Horizonte, passei os melhores anos da história do Atlético tendo o Mineirão como o quintal da casa de minha avó, na Pampulha. Os almoços familiares de domingo sempre terminavam nas arquibancadas do Mineirão, com a família Lansky reunida naquilo que era praticamente a religião de meu avô Davi, passada para meu pai, meus tios e, finalmente, para minha geração.
A camisa do Galo sempre foi a segunda pele daquela família da Pampulha, mesmo após a morte de meu avô. Nem sei dizer ao certo qual foi a primeira vez que pisei no estádio. Sei que meu pai levava minha mãe, grávida, para as arquibancadas, provavelmente para que eu pudesse nascer mais atleticano.
Não sei o que é ser o Daniel sem ser atleticano. Esta é uma sensação que poucos torcedores experimentam na relação com seus times. Sei que a relação do torcedor com o Coxa é semelhante, diferente do lado dos “falsos” (Atlético-PR) que têm um comportamento um tanto cruzeirense ao participar apenas dos bons momentos.
Lembro-me da paixão pelo Reinaldo e da fanática massa alvinegra fazendo festa para os grandes craques dos anos 80 que, mesmo prejudicados pelo “destino” no início da década, nos faziam ter orgulho do time mais querido e aguerrido de Minas Gerais.
Em 1985, já sem o meu avô, que falecera em 1978, a expectativa do mais pessimista dos atleticanos era de que o título nacional seria levado para BH, por um time que merecia historicamente se vingar do que sofrera no início da década. No dia 24 de julho, o Galo foi a Curitiba disputar contra o Coxa o primeiro jogo da semifinal. O resultado, apesar de desfavorável – 1 x 0 -, fora considerado satisfatório para que, no Mineirão, a diferença fosse tirada por um time superior, que teria como aliado o fanático apoio da massa atleticana.
Foi aí que o Sobrenatural de Almeida optou, mais uma vez, pelo adversário. Lembro-me bem da sensação de subirmos as escadas do Mineirão, naquele dia 28 de julho de 1985, um domingo, meu pai, meus tios e alguns primos para assistirmos ao embate contra o time do Paraná. A certeza da vitória era uma unanimidade. Entretanto, a bola não entrou. O Coritiba foi um time valente, aguerrido, que soubera se aproveitar bem da vantagem construída na sua casa. Mesmo com um time superior, estávamos fora da final. A desolação foi total.
Em 1996, fato semelhante também ficou marcado na história alvinegra e pessoalmente, na minha história de atleticano, assim como a semifinal de 1985. Contra a Portuguesa de Desportos, precisando apenas de um gol de diferença para fazer a final com o Grêmio, o Galo empataria em 2 a 2 como a Lusa e ficaria, mais uma vez, de fora da final. Prova de que, no Mineirão, o Sobrenatural de Almeida sabe bem como trabalhar.
Nelson Rodrigues, sim, mais uma vez ele, dizia que o comportamento do torcedor em relação ao futebol é um tanto freudiano. Sim, somos passionais, irracionais, obtusos e condicionados a esperar sempre o melhor, sempre a vitória; mas às vezes, a derrota prevalece e o outro lado passa a ser o centro das atenções ou até mesmo o campeão, como foi o Coxa naquele domingo de 1985.
Ainda na relação freudiana, Nelson Rodrigues dizia que a derrota era um afogamento coletivo. Naufragam, ali, os jogadores, os torcedores, o chefe da delegação, a delegação, o técnico, o massagista, e todos precisam buscar forças para se reerguerem juntos.
A reação atleticana para a tal relação freudiana de Nelson Rodrigues foi muito bem ilustrada pelo escritor mineiro e ilustre atleticano, Roberto Drummond: “Se houver uma camisa branca e preta pendurada num varal, o atleticano torce contra o vento”.
A magia do futebol nos mostra que, apesar de momentos como 1985 e 1996, a paixão do torcedor é restaurada pelo simples orgulho de ter o coração atleticano, enraizado em tradições familiares e em momentos mágicos e únicos vividos nas arquibancadas do Brasil.
Daniel Lansky – Jornalista, 33 anos
A opinião dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
Cada colunista tem sua liberdade de expressão garantida e assinou um termo de uso desse espaço.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)