
De Torcedor pra Torcedor
Um dos seres mitológicos mais temíveis era a Hidra de Lerna. Conta a lenda que, toda vez confrontada e uma de suas cabeças decepadas, outra surgia em seu lugar fazendo com que fosse vista como uma criatura imortal.
Coube à Héracles identificar o ponto fraco e descobrir qual das diversas cabeças deveria cortar para, enfim, derrotar o monstro.
Da mitologia aos dias atuais, pode-se dizer que este ser lendário encontra na violência a sua cabeça mortal.
A intolerância, o desapego à vida, a degradação moral, a busca por qualquer tipo de vantagem às custas alheias, enfim, compõem, ao lado da violência, as cabeças da Hidra da atualidade.
Dia após dia convivemos com notícias que nos fazem pensar se vale a pena continuar amando o esporte, em especial o futebol. Tragédias como a morte do garoto boliviano simplesmente destroem a vontade de fazer parte de tudo isso.
Mesmo indignados, uma pergunta precisa ser respondida antes que todos resolvam pelo definitivo afastamento do mundo esportivo: Tais mortes estúpidas acontecem somente nestes tipos de eventos?
Certamente as cabeças da intolerância e da degradação moral estão cada vez mais presentes no futebol. Já não é possível, por exemplo, ver um semelhante vestido com as cores rivais - algo que soa como uma afronta tão grande que o castigo merecido é a agressão moral, quando não for possível a física.
Lendo atentamente a retrospectiva produzida pelo amigo Marcus Popini, reconheço que o esporte que amamos já faz muito mais mal do que bem. Mas não seria o próprio futebol mais uma vítima da principal cabeça da Hidra - a violência?
Cobra-se dos clubes a incumbência de 'educar' seus torcedores, tal qual um pai deve fazer com seu filho.
Não caiamos na armadilha que este fugaz argumento carrega em si.
Não é razoável exigir que uma instituição ensine algo a alguém que não quer aprender simplesmente por ser de má índole. Se dentro de casa, num universo tão menor, tantos e tantos pais não conseguem impor limites aos seus filhos, vendo-os promover a barbárie sozinhos ou em grupos, como conceber que um clube se responsabilize por atos praticados por seus supostos seguidores?
Não há lógica nesta premissa por uma simples razão: qualquer punição ao clube não atinge de nenhuma forma o agressor, o delinquente.
Recentemente o Coritiba foi vítima desta realidade. Por atos não por ele praticados foi julgado e punido. Cumpriu sua pena mas está verdadeiramente livre de que hora ou outra veja tais acontecimentos se repetirem? Qual a consequência lógica, eficaz e definitiva que a barbárie intrínseca aos delinquentes esteja definitivamente banida por ter sido o clube apenado?
A bola da vez é o Corinthians e seus "torcedores assassinos".
Evidente que, por vivermos num mundo hipócrita e desigual, o tratamento dispensado às manchetes que retratam a lamentável morte do menino boliviano é diferente daquele direcionado ao fatídico dia 06/12/2009. Naquela oportunidade era preciso ´'dar o exemplo para o país da próxima Copa', agora vê-se que é preciso ter cautela, identificar o culpado, puni-lo e entender que o clube nada poderia ter feito para evitar o absurdo...
Tratamentos diversos à parte, que se admita que o problema encontra sua origem em terreno diverso das quatro linhas. Não adianta cortar as cabeças erradas da Hidro.
É preciso que todos os véus sejam retirados e enxerguemos que não há diferentes formas de violência. Não existe diferença entre a violência que se vê dentro dos estádios, daquela que se vê nas ruas, dentro de casa ou até mesmo nas escolas. O conceito é único, sendo instrumentalizado pelas mais variadas formas.
Não é combatendo a 'violência do futebol' que os problemas serão resolvidos. Não é acabando com o futebol que a cura será encontrada.
Nos estarrecemos diuturnamente com as notícias que nos chegam: estupros, roubos, homicídios, torturas, mortes em estádios... fatos que encontram na violência a sua gênese.
Sabe-se que o Direito Penal preocupa-se em verificar se há ou não dolo (intenção) nas condutas dos agentes que praticam atos contrários à lei. Para aferir com mais precisão o grau de reprovabilidade das condutas, aplicando penas com mais proporcionalidade, busca criar um mecanismo que estanque a natureza violenta dos delinquentes.
Este é o ponto. É preciso identificar quem é quem na sociedade como um todo. É preciso saber diferir um cidadão de um criminoso; um torcedor de um delinquente; um bom pai/marido de um covarde.
Acompanhamos com um misto de pesar e indignação a notícia da morte de um neurocirurgião infantil em Curitiba.
Utilizando dos preceitos da legislação penal, como apontar alguma diferença entre a intenção de um agente que dispara uma arma de fogo contra o peito de um cidadão rendido e amarrado em sua própria casa e outro que resolve atirar um artefato pirotécnico contra outrem?
A crueldade, o desapego à vida, a falência moral marcam as duas ações e ambas encontram na violência a cabeça mortal da Hidro.
Para acabar com os discursos vazios, com as soluções paliativas (como responsabilizar um clube ou eleger um esporte como causador da violência, por exemplo) é preciso que saiamos todos desta medíocre zona de conforto para exigir daqueles verdadeiros responsáveis por este estado insuportável de insegurança as atitudes que deveriam há tempo terem tomado para viabilizar a educação, a segurança pública, a descentralização de riquezas - estes sim, os verdadeiros ingredientes que fazem a violência explodir aqui e ali.
O Estado, na figura de seus representantes políticos, detém os meios para resolver o problema que ele mesmo resolveu dar de ombros enquanto se preocupava com os conchavos para benefícios pessoais de seus agentes.
Querem encontrar um culpado para a violência? Ótimo, mas não sejam simplistas.
Temos duas opções: cortar a cabeça do futebol - esse 'malfeitor' da sociedade, vendo novas surgindo em seu lugar - os deliquentes certamente encontrarão outros habitats para promover a desordem - ou exigir que o Estado pare de enganar a todos combatendo e cortando a única cabeça verdadeiramente mortal do monstro que enfrentamos no dia a dia, em cada semáforo: a violência.
É só escolher!
União, trabalho e muitos sócios = Coritiba forte e vencedor!
Saudações Alviverdes,
Percy Goralewski
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