
De Torcedor pra Torcedor
Esta não será a primeira nem provavelmente a última vez que o assunto será abordado neste espaço.
Volta e meia os homens de terno e gravata ocupam os lugares dos jogadores nas páginas esportivas dos jornais, alterando os destinos das competições esportivas, sob o 'rigor da lei'.
Nesta semana o futebol paranaense mais uma vez se viu envolto em julgamentos que contemplaram algumas decisões envolvendo os destinos de alguns de seus atletas, dirigentes e clubes.
As pérolas deste período referem-se ao julgamento a que foram submetidos o C. A. Paranaense, seu diretor de Futebol Alfredo Ibiapina, o atleta Cleber Santana e o atleta Coxa-Branca Leandro Donizete.
O primeiro processo (nº 84/2011 - Segunda Comissão Disciplinar de Futebol do STJD) referiu-se aos acontecimentos ocorridos na partida entre C. A. Paranaense e Palmeiras/SP, quando houve a expulsão do atleta e do dirigente rubronegro e a possibilidade de perda de mandos de jogos por parte da instituição.
O segundo caso (processo nº 85/2011 - Terceira Comissão Disciplinar de Futebol do STJD) disse respeito ao lance que envolveu os jogadores Leandro Donizete (Coritiba) e Chicão (Corinthians/SP), na partida ocorrida entre paranaenses e paulistas no Estádio Couto Pereira.
As particularidades de cada caso já foram exaustivamente comentadas pela imprensa esportiva paranaense, restando somente reiterar os fatos de que C. A. Paranaense fora absolvido da pena de perda de mandos de jogos, o diretor Alfredo Ibiapina foi condenado à pena de 140 dias de suspensão e o pagamento da multa de R$ 1.000,00, o jogador Cleber Santana foi condenado à pena de 2 partidas de suspensão e o jogador Leandro Donizete foi condenado à pena de 1 partida de suspensão.
No julgamento do processo nº 84/2011, ao proferir seu voto, o relator afirmou que os termos utilizados pelo jogador atleticano em relação ao árbitro daquela partida (não vou citá-los aqui, em respeito ao leitor) não configuravam ofensa, mas tão somente uma espécie de rompante oriundo de uma 'cabeça quente', não sendo necessária mais do que uma partida de suspensão, até porque aquele atleta já teria vestido a camisa da seleção brasileira.
Pasmem os senhores: O auditor-relator mencionou, mesmo que de forma indireta, que ao vestir a camisa do selecionado nacional, o atleta pode se favorecer de uma 'atenuante' (por ele criada naquele momento jus-legislativo) que, confesso, não encontrei no CBJD!
E as situações pitorescas não pararam por aí!
Segundo o entendimento daquela corte, o C. A. Paranaense não poderia ser responsável pela invasão de campo de um de seus prepostos, no caso o diretor Alfredo Ibiapina, de modo que a pena de perda de mandos de jogos não poderia lhe ser aplicada - curioso!
Não serei leviano, hipócrita ou insano em querer comparar as situações, mas analogicamente falando, o que a instituição Coritiba Foot Ball Club poderia fazer para conter a turba de vândalos que adentrou ao gramado do Estádio Couto Pereira em 06/12/2009? Lembremo-nos que até mesmo o Regulamento Geral das Competições emanado pela CBF prevê em seu artigo 21, alínea e que o clube mandante deve providenciar as condições para que exclusivamente policiais fardados façam a segurança dentro do gramado, sendo vedada a presença de seguranças contratados pela agremiação. Não seria do Poder Público a responsabilidade por enviar um efetivo maior de policiais para garantir a segurança dentro do gramado, uma vez que a própria Secretaria de Segurança Pública havia recebido ofício expedido pelo clube informando o risco da partida?
Por que, então, a discrepância de entendimentos proveniente da mesma comissão disciplinar que julgou os dois casos como bem fez questão de ressaltar o emotivo defensor rubronegro?
O discurso à época da severa condenação aplicada ao Coritiba não era o da moralização, da disciplina do futebol brasileiro às vésperas dos preparativos para a próxima Copa do Mundo a ser realizada no país?
Não parece no mínimo conflitante dar um 'passe livre' para qualquer das agremiações futebolísticas deste país 'autorizarem' seus diretores ou funcionários para adentrar ao local proibido pelas normas para pressionar o árbitro da partida, seja por qual motivo for? Essa jurisprudência não é perigosa?!
E o que dizer da denúncia do jogador coritibano que, embora tenha dividido uma bola com seu adversário de forma firme - como outros milhões de lances que acontecem a cada rodada no futebol mundial -, não havia sido sequer apontado como infrator pelo árbitro daquela partida diante do Corinthians/SP?
Seria o retorno repentino daquela sede de moralização por parte da procuradoria do STJD um dia após este mesmo tribunal ter conferido 'carta branca' ao clube que não conteve a invasão de seu diretor?
Confesso estar cada dia mais enojado com tudo isso.
A verdade é que já passou da hora de retirarmos as estacas, dobrar a lona e desmontar o mastro do circo a que constantemente somos submetidos enquanto amantes e consumidores do produto futebol.
Ao lado de outros esportes, este milionário espetáculo clama por uma profunda alteração no seu sistema jurídico.
Tomando como base o contido no artigo 217 da Constituição Federal, vê-se claramente que o ordenamento jurídico brasileiro prevê o fomento e a importância do desporto como um dos direitos da nossa sociedade:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
Da mesma forma que fomenta, o Estado delega às entidades desportivas a possibilidade de se organizarem e criar seus mecanismos de funcionamento.
É com base nesta delegação de poderes que as entidades como a CBF instituíram as regras da justiça desportiva, tendo como órgão máximo o STJD.
O objetivo da norma é válido, na medida em que desloca do Poder Judiciário a responsabilidade de julgar as questões disciplinares do esporte, deixando-a a cargo das entidades desportivas e atraindo-a novamente para si somente em caso de serem esgotadas as vias desportivas.
Aí é que começa o problema - já volto para expô-lo.
Uma das primeiras lições aprendidas no curso de Direito, referente à disciplina de Processo Penal (que se assemelha ao conjunto normativo desportivo), faz menção à consagrada relação magistrado-promotor-defesa.
Desnecessário, mas importante ressaltar que para ser um julgador ou um acusador necessário se faz que estes profissionais sejam aprovados em concursos públicos distintos e absolutamente independentes, da mesma forma que se mostra indispensável que o defensor seja um Bacharel em Direito aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, tornando-se, assim, um advogado.
Sob a batuta desta estrutura composta por entes tão independentes quanto ligados entre si é que se desenvolvem validamente os processos, tudo em respeito aos mais diversos princípios constitucionais e institutos processuais consagrados como a suspeição, por exemplo.
Dessa forma, mesmo tendo recebido a delegação de poderes por parte do texto constitucional, o correto seria que as entidades desportivas criassem mecanismos que assegurassem as mesmas funções específicas do acusador-julgador-defensor.
Não é o que se vê na prática. A composição dos tribunais desportivos é feita somente por advogados que fazem as vezes de acusador (procurador) e julgador (auditores). Mesmo que sejam, em tese, resguardados os mesmos princípios constitucionais aplicados à justiça comum, falta à justiça desportiva o reconhecimento de institutos processuais como este mencionado, o da suspeição - só para citar o quanto fica cômodo permitir que advogados que sejam torcedores ou até mesmo conselheiros de alguns clubes participem de julgamentos que envolvam direta ou indiretamente o interesse institucional a que está emocionalmente ligado.
Sob o argumento de que os advogados que militam na justiça desportiva não serem remunerados, cria-se uma falsa impressão de que estes profissionais fazem um 'favor' ao emprestar parte de seu tempo para atuar em funções para as quais não estão tecnicamente e legalmente preparados, justamente por serem carreiras e incumbências tão distintas.
E é também sob este argumento (da não remuneração) que se cria uma enorme e incompreensível resistência à reformulação deste sistema por parte de uma extensa gama de pessoas.
Com o crescimento exponencial das cifras que envolvem o futebol no planeta e com elas os interesses que circundam clubes, dirigentes, empresários e jogadores, é preciso reconhecer a total incompatibilidade do atual sistema, que possibilita decisões tão conflitantes e políticas, com uma nova ordem que preveja a tão comentada segurança jurídica das decisões.
Não há mais espaço para interpretações tão subjetivas, seja de árbitros na condução dos jogos, seja nos julgamentos que alteram profundamente os destinos de clubes, atletas e competições.
É preciso que procuradores e julgadores sejam profissionais verdadeiramente de carreira, tal qual ocorre na justiça comum.
Para tanto, o ponto de partida é a criação de uma Emenda Constitucional para alterar o regramento aplicado ao Desporto, prevendo a criação de cargos e salários para acusadores e julgadores.
Uma possibilidade seria a desvinculação da justiça desportiva das entidades às quais hoje ainda é ligada por força de lei, trazendo-a para o manto e supervisão do Poder Judiciário, regulamentando regras para os concursos de procurador e auditor, funções hoje ocupadas por advogados.
Nada obstaria que estes mesmos advogados se preparassem para tais concursos, obtendo suas merecidas aprovações, investiduras e salários - bom para todo mundo.
Outras soluções podem se apresentar mais sensatas e aplicáveis, porém, uma coisa é certa: pelo bem do futebol, pelo respeito ao bom senso, à lisura e à técnica e segurança jurídica, alguma reformulação precisa ser feita neste sistema absolutamente falho e ultrapassado.
Precisamos trocar o lado emotivo dos profissionais que atuam na justiça desportiva por atuações puramente técnicas. Para se fazer justiça não é preciso derramar lágrimas nas cortes de julgamentos, deixemo-as para a plateia que procura assistir a uma boa peça de teatro.
União, trabalho e muitos sócios = Coritiba forte e vencedor!
Saudações Alviverdes,
Percy Goralewski
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