
De Torcedor pra Torcedor
Quatro letras: stjd (e me recuso grafá-las em caixa alta).
Por detrás delas um verdadeiro mar de lama onde se banham os personagens que encarnam toda a sujeira que envolve o futebol brasileiro.
As atitudes tomadas contra o Coritiba Foot Ball Club (a celeridade na instauração do processo, a avidez no 'julgamento' e a pioneira pena imposta) e aquelas não tomadas (julgamento do recurso interposto pelo clube e homologação da desinterdição do estádio Couto Pereira) deixaram de ser escabrosas, intragáveis - passaram a ser surreais!
É absolutamente inacreditável a forma como vêm sendo conduzidos os desdobramentos do fatídico dia 06/12/2009.
Em nome de uma suposta moralização, pratica-se uma flagrante ilegalidade que não só pode, como deve ser combatida junto ao Poder Judiciário.
Para que se entenda o que quero identificar como sendo essa ilegalidade, peço desculpa aos leitores por escrever uma coluna que mais se aproxima de um artigo jurídico, do que um texto sobre o futebol e seus temperos, mas não encontrei outro meio para tentar me fazer entender.
Prefacialmente é oportuno tecer algumas considerações acerca da natureza jurídica que envolve a mais alta 'corte' do direito desportivo brasileiro. Para tanto, sugiro a leitura do seguinte artigo, de autoria do jurista Piraci U. Oliveira Jr.: Natureza Jurídica do STJD da CBF e Seus Reflexos.
O texto é bastante técnico, contudo, de fácil entendimento, importando concluir que o stjd nada mais é do que um 'departamento' da cbf, e como tal, serve-lhe para os mais diversos propósitos.
Partindo desta premissa e tendo como pano de fundo a histórica perseguição que o presidente (da cbf) Ricardo Teixeira dispensa ao Coritiba, desde, pelo menos, 1989, não fica difícil entender os atuais acontecimentos.
Mesmo assim, é preciso afirmar que as decisões tomadas pela cbf e pelo seu 'departamento' chamado stjd não estão acima do bem e do mal; não são definitivas; não são passíveis de suplantar uma ordem jurídica superior e vigente neste país - aquela consolidada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Queiram ou não, o stjd submete-se às regras constitucionais vigentes. Contrariamente ao que talvez imaginem os operadores do direito que lá militam, as 'decisões' proferidas nesta 'corte' não contam com poder normativo maior que aquele previsto na Carta Magna de 1988.
Aliás, é a própria Constituição Federal que legitima a constituição das instituições desportivas neste país, veja-se:
Seção III
DO DESPORTO
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
E aqui, permitam-se os leitores chamar a atenção para o contido no parágrafo segundo. A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
Tentemos 'destrinchar' o dispositivo legal: prazo máximo de 60 dias contados da instauração do processo.
Não sendo positivista ao extremo, tomemos como base para a contagem deste tempo não o momento de instauração do processo, mas do seu 'julgamento' em primeira instância: 15/12/2009.
A partir dele, o prazo máximo para que o stjd proferisse decisão final (ou seja, julgasse o recurso interposto pelo Coritiba seria o dia 13/02/2010 (um Sábado), prorrogado para segunda-feira 15/02/2010.
Eis aí a mais flagrante ilegalidade à qual o Coritiba está sendo friamente e maliciosamente submetido.
Esta sexta-feira, 19/02/2010, marca exatos 66 dias após a decisão de primeira instância. Penso não ser necessário destacar o excesso de prazo e a flagrante desobediência ao dispositivo constitucional, ora em comento.
E essa desobediência não é por acaso, tendo como base o contido no parágrafo primeiro do citado artigo 217 da CF/88, inquestionável que tanto quanto mais for procrastinada a data de julgamento do recurso Alviverde, mais tempo o clube fica refém da possibilidade de ingressar com uma ação na justiça comum, tendo em vista não ter esgotado a esfera desportiva.
No entanto, é bom que se diga que caberia a propositura de uma medida cautelar para obrigar o stjd a julgar em caráter de urgência a súplica Coxa-Branca, tendo como base o excesso de prazo para tal mister.
Como se tudo isso não bastasse, como se todas as atitudes praticadas pelos integrantes do stjd não ferissem mortalmente os consagrados princípios constitucionais da isonomia, do contraditório, do devido processo legal, da ampla defesa, da moralidade e tantos outros, há no caso do Coritiba a desobediência de outro princípio, que se não previsto expressamente no sistema jurídico, é por ele consagrado: o do non bis in idem. Sobre este princípio, sugiro a leitura do seguinte artigo: Princípio do "non bis in idem": uma releitura à luz do direito penal constitucionalizado, de autoria de Israel Domingos Jorio.
Em suma, tal princípio se refere à impossibilidade de aplicação de duas ou mais sanções para um mesmo fato.
 
Para a barbárie ocorrida em 06/12/2009 ao Coritiba Foot Ball Club foram aplicadas duas sanções: interdição do estádio e perda de mandos de jogos (mesmo que de naturezas diversas, ambas se refletindo na impossibilidade de realização de partidas em seu estádio).
A primeira reprimenda aguarda (com o prazo legal já expirado, repise-se) uma nova apreciação que se sabe lá quando ocorrerá.
A segunda sanção já fora revista pela cbf, mas que ainda aguarda a homologação do stjd – até aqui nada que se afigure tão obtuso à legalidade, mas que se mostra absolutamente transgressivo à moralidade, tendo como base as consequências práticas às quais o clube inexoravelmente se submete, como ter que engolir a seco a impossibilidade de utilização de sua praça esportiva, mesmo sabendo que a punição, que certamente lhe será aplicada em grau de recurso, se remeta à competições nacionais, sem nem mesmo poder reclamar, sob pena de criar um clima nada ‘amistoso’ antes do julgamento de seu recurso – uma verdadeira ‘sinuca de bico’!
Disto tudo fica um questionamento que deve ser dirigido, não somente à diretoria Alviverde, mas a todos nós Coxas-Brancas: até quando aguentaremos calados o açoite ao qual estamos sendo submetidos, sem que absolutamente ninguém interceda, não a nosso favor, mas tão somente a favor do estrito cumprimento das leis?
Tem hora que é preciso dar um basta às agressões sofridas, nem que para tanto seja necessário o uso da força.
No caso do Coritiba a força não precisará ser utilizada, felizmente.
Basta que, desde já, comecemos a refletir com seriedade acerca da possibilidade de se socorrer ao Poder Judiciário para que, efetivamente, a JUSTIÇA seja feita, afinal, se perdermos as esperanças de ver uma ordem estatal fazer valer os ditames constitucionais vigentes, ou pior: se, por medo de consequências igualmente nefastas, descartarmos essa possibilidade, podemos fechar as portas do Couto Pereira e largar o futebol.
Para pensar!
União, trabalho e muitos sócios = Coritiba forte e vencedor!
Saudações Alviverdes,
Percy Goralewski
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