
De Torcedor pra Torcedor
No século VI a.C., a sociedade ateniense vivia profundas transformações movidas pelos ideais inovadores de Sólon e principalmente Clístenes. A dupla grega foi a responsável pelo fim da escravidão por dívidas, a criação do conceito de assembleia e de isonomia entre os habitantes do país do Mar Egeu.
A enciclopédia eletrônica Wikipédia traz valiosas lições quanto ao legado deixado por estes grandes homens, mormente aquele construído por Clístenes, mais conhecido como o "Pai da Democracia".
O conceito puro de democracia remete-se à noção de igualdade, de liberdade, de isonomia, de respeito ao pensamento coletivo. Contudo, quando este conceito emparelha-se com a ganância, com a desfaçatez, com a desonestidade, o resultado torna-se uma bomba relógio difícil de ser desarmada.
Mesmo sendo um operador do direito, costumo afirmar com muito pesar que o povo brasileiro não está preparado moral e intelectualmente para viver numa democracia - deixando bem claro que a democracia vivida neste país afasta-se de forma diametralmente oposta do conceito criado por Clístenes, em Atenas.
Dia 31 de outubro viveremos o primeiro sintoma da falaciosa democracia existente neste país: seremos obrigados a comparecer às urnas para cumprir um ritual que, se para poucos é da mais alta relevância, para a maioria pouco esclarecida é só o cumprimento de uma obrigação.
Por que o voto não é obrigatório em várias das democracias implantadas nos países de primeiro mundo?
Outro fator que leva à total descrença na seriedade do processo eleitoral brasileiro: a votação eletrônica. Por que somente o Brasil se utiliza de um sistema de votação eletrônico? Não é razoável questionar que se esta 'revolucionária' tecnologia fosse 100% confiável no sentido de não ser possível o cometimento de fraudes nas apurações, os países tidos como desenvolvidos - que tantas vezes mandaram seus emissários ao país tupiniquim para acompanhar todo o processo eleitoral - já não teriam importado este novo modelo de sufrágio?
As desilusões não param por aí. As máquinas federal, estadual ou municipal constantemente são utilizadas para propósitos totalmente estranhos as suas reais atribuições. Vejamos o caso do Presidente da República: durante todo o período que precedeu a escolha da candidata do seu partido para concorrer à eleição presidencial, mais especialmente durante toda a sua campanha, eis que o mandatário mor do nosso país em nenhum momento se sentiu no mínimo envergonhado por ter deixado o timão do país à própria sorte, para dedicar-se de corpo e alma na campanha de sua correligionária.
Não há nada de errado no fato do cidadão Luis Inácio Lula da Silva apoiar a candidata Dilma Roussef. O que não dá para aceitar é o Presidente Luis Inácio Lula da Silva fazê-lo. Houvesse um mínimo de decência moral, o presidente deveria ter se afastado do cargo para se dedicar em tempo integral à campanha de Dilma, emprestando-lhe o seu carisma - coisa que inexiste na candidata à sucessão. Ressalto que aqui não cabe nenhum posicionamento político-partidário, mas tão somente uma análise do quanto o jogo de poder orienta as condutas pessoais dos agentes públicos.
Em âmbito estadual, o exemplo da máquina pública a favor do poder e interesses de poucos é ainda mais evidente. Não há como não comentar as verdadeiras artimanhas políticas engendradas para favorecer um determinado público, neste caso voltado ao futebol - objeto de nossas análises diárias.
Qualquer coisa que eu escreva sobre o episódio "Copa na Baixada" poderá soar como inveja. EU sei que não é, até porque se tal conquista fosse atingida por pura competência e merecimento, não haveria outra coisa a fazer senão bater palmas para o adversário.
No entanto, como os meios até aqui encontrados para viabilizar os caprichos de uma meia dúzia (se comparado com a população inteira do Paraná) foram os mais maquiavélicos e sórdidos possíveis, não há a menor possibilidade de se manter em silêncio.
Assim como é imoral o presidente Lula sair pelas ruas empunhando a bandeira da representante de seu partido, o governador do Estado Orlando Pessuti e o presidente da comissão da Copa do Mundo em Curitiba Mário Celso Cunha (ambos torcedores declarados do clube beneficiário dos esforços políticos voltados ao incremento patrimonial), para não citar outros, usam e abusam dos poderes inerentes aos mandatos que lhes foram outorgados pela totalidade da população com o claro propósito de trazer a 'sardinha para a sua brasa', sem se importar se tais atitudes serão bem vistas pela mesma totalidade de eleitores.
'Importará o legado', dirão eles, sem se lembrar que os poderes que lhes foram conferidos inerentes aos cargos públicos que ocupam precisam ser utilizados com lisura e isonomia. Estes discursos hipócritas 'para inglês ver' de que 'todo o Estado será beneficiado com o Mundial na sede de um clube privado' (seja ele qual for) é o supra sumo do descaso que envolve a opinião pública, afinal, os fins justificam os meios em suas visões. Penso que se esta premissa fosse verdadeira, por que não construir um estádio novo, um estádio público?
Fico a questionar o porquê do governador do Estado não se reunir com os vereadores de Curitiba em ocasiões diversas para discutir com tanto empenho as condições de segurança ou de saúde de nossa cidade. Gostaria de entender o motivo de tanto afã para reunir os vereadores na véspera da votação da aberração denominada de 'Potencial Construtivo'. Aliás, alguém pode me explicar o que o chefe do poder executivo estadual tinha para discutir com os representantes do poder legislativo municipal?!
A desfaçatez é tamanha, que a maioria dos torcedores do clube beneficiário da doação de dinheiro público, travestido de 'Potencial Construtivo' espocou fogos quando do anúncio da aprovação deste verdadeiro assalto aos cofres públicos para a conclusão de seu (agora seria mesmo SEU?) estádio.
Batem no peito para bradar uma superioridade que, SE existir, só virá lastreada pelo próprio dinheiro de coritibanos, paranistas, londrinenses e todos os demais cidadãos que pagam impostos com a inocente esperança de vê-los vertidos em ações verdadeiramente sociais.
Gostaria de perguntar a cada um deles como se sentem no momento que chegam em casa, tiram a camisa do clube que escolheram para torcer, voltam a ser 'meros cidadãos' e colocam a cabeça no travesseiro. O que passa verdadeiramente por ela? Orgulho ou vergonha velada pelo favor público que estão recebendo?
Entendo que o 'castelo' que querem construir só não será maior que a vergonha de perpetuarem um dos maiores golpes praticados na Terra dos Pinheirais. Esta realidade, por mais mascarada ou escondida que seja, para sempre os marcará.
Acreditando ainda haver um pouco de decência no Estado, minha esperança para que esta verdadeira forma imoral de desvio de dinheiro público seja rechaçada se restringe à atuação sempre séria do Ministério Público e, por conseguinte, do Poder Judiciário.
Se acaso estas duas instituições também se calarem, para muita gente será o fim da esperança por um Estado verdadeiramente honesto.
Aí, meu amigo, se Clístenes já estava envergonhado da nossa 'democracia', dará um jeito de se virar de bruços dentro de seu túmulo e colocará suas mãos no rosto, encobrindo-o pela vergonha.
União, trabalho e muitos sócios = Coritiba forte e vencedor!
Saudações Alviverdes,
Percy Goralewski
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