
De Torcedor pra Torcedor
Vivemos num país em que há previsão legal de foro privilegiado para julgamento de ocupantes dos cargos políticos, como se estes recebessem uma certa "autorização" do próprio Estado para transgredir as leis e ainda assim serem julgados de forma diferente dos "meros mortais".
Vivemos num país que precisa criar a "Lei da Ficha Limpa" como condição para que os cidadãos em pleno exercício de seus direitos eleitorais possam se candidatar aos cargos políticos, quase que nos esquecendo que a condição de ter um passado ilibado, a honestidade como algo inerente e intangível, deveria continuar sendo algo natural, jamais imposto.
Vivemos num país que se intitula democrático, mas que já em sua gênese , mostra-se incoerente ao obrigar seus cidadãos a votar, afastando-lhes da escolha de participar ou não do sufrágio.
No esporte, mais precisamente no futebol, vivemos num país que permite um déspota apoderar-se da entidade que comanda a "paixão nacional" por décadas e, mesmo diante de tanta exposição pública da gestão fraudulenta que conduziu, deixa o cargo "à francesa", sem que nada lhe aconteça e pior, gerando a certeza da impunidade pela herança lesiva que deixou.
Vivemos num país em que se cobra de dirigentes, jogadores e demais personagens que gravitam o grande negócio chamado futebol um nível cada vez maior de seriedade e profissionalismo, mas que permite que os mediadores das partidas continuem exercendo profissões outras que concorrem com a de árbitro.
E em nome do que não se permite a criação da profissão árbitro de futebol? Por que se permite que o destino de partidas e até mesmo de campeonatos sejam conduzidos pela discricionariedade dos "homens do apito"?
Ainda no campo político/desportivo, vivemos num país que se curva aos anseios de uma entidade privada para garantir a realização de um evento que coroará a propensão de extrair vantagem de tudo que é conveniente - tão característica no Brasil. Como conceber, por exemplo, que a venda de bebidas alcoólicas nos estádios brasileiros é prática vedada em lei e permitida pela pressão da Fifa para os jogos da Copa do Mundo?
E o que falar, então, da sangria dos cofres públicos, bem como do completo afastamento do alcance das leis ainda vigentes neste país no que tange aos investimentos de recursos públicos para a construção de obras particulares Brasil afora?
Sobre o tema, até para que não me torne por demais extensivo ou repetitivo e também porque não teria a mesma assertividade na escolha das palavras e na brilhante explanação, sugiro a leitura do excelente Post do amigo Felipe Rauen.
É, amigos, os valores hoje vigentes afastam-se diametralmente daqueles que nos foram passados em épocas não tão longínquas.
Nesta nova era do "chora menos quem pode mais", o Coritiba sentiu na pele os efeitos dos desmandos.
Em 1989 o primeiro golpe. Amparada por uma liminar, a diretora Alviverde optou por não mandar a campo a equipe para o confronto contra o Santos. Resultado? Num ato administrativo sem precedentes e absolutamente reacionário e autoritário, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, rebaixou o Coritiba à segunda divisão nacional.
De mãos atadas, o clube se viu impotente para afrontar a inconcebível decisão e mergulhou num período de mazelas por onde permaneceu, definhando-se.
Muitas agruras foram enfrentadas, mas o principal prejuízo do clube se perfazia a cada ano, quando permanecia à margem das competições disputadas pelos principais concorrentes do país. O Coritiba simplesmente saiu de cena para os outros centros. O desgaste institucional é até hoje sentido. Uma parte da história do clube foi simplesmente reescrita pela caneta de Ricardo Teixeira.
Após retomar seu espaço na primeira divisão, o clube do Alto da Glória percebeu o quão distante ficou dos demais, seja na divisão de patrocínios, seja na força de sua camisa.
Recentemente e por duas oportunidades consecutivas estas duas premissas se confirmaram de forma insofismável.
Enfrentando o time da Cruz de Malta pela disputa de um novo título nacional, muito embora tenha chegado tão perto da conquista, teve que amargar a não marcação de um lance capital que poderia mudar o desfecho daquela história. A penalidade máxima não marcada por Salvio Spinola, muito mais do que um "mero erro" de interpretação, escancarou a realidade que marca a atualidade do futebol no país: a força econômica que circunda os clubes determina o resultado das disputas dentro das quatro linhas - esta uma constatação irrefutável.
Como se tal "infortúnio" não fosse suficiente, a história se repetiu de forma ainda mais amarga na atual temporada, diante do time do Parque Antártica. Os absurdos "erros" de arbitragem cometidos pelo infeliz Wilton Pereira Sampaio foram tão flagrantes e tendenciosos que os prejuízos causado ao Coritiba foram objetos de denúncia por parte do STJD - num claro reconhecimento do quão danosos se configuraram.
Numa rápida reflexão poder-se-ia questionar: seria o Coritiba vítima de todas estas circunstâncias?!
Não, definitivamente não!
Em 1989 a decisão correta a ser tomada era a de enfrentar a equipe santista.
Em 2011 poderíamos ter tido um pouco mais de ambição e confiança na busca da nova glória - faltou pouco.
Em 2012 se tivéssemos competência para marcar os dois gols que se apresentaram a nossa feição no primeiro tempo em Barueri, provavelmente teríamos alcançado o triunfo.
Contudo, estas "soluções" teóricas perdem sentido quando confrontadas com a atual ordem vigente.
Entre canetas e apitos há este algo maior e mais destrutivo: os interesses escusos daqueles que detêm o poder, seja no campo desportivo .
Diante da sordidez, da desfaçatez, do sarcasmo, da desonestidade e da podridão que marcam a nova realidade com a qual nos defrontamos diariamente, como agir? Lutar contra, mesmo que se tenha consciência que nada mudará ou "entrar na onda", favorecendo-se das mesmas vantagens oferecidas àqueles que não contestam este estado vergonhoso das coisas?
Honestamente, amigos, está cada vez mais difícil encontrar ânimo para seguir combatendo estes absurdos. Aqueles que não conseguem se desvencilhar dos valores do passado - tão dissociados dos atuais -, não têm mais pra onde correr, lamentavelmente.
O resultado de toda esta balbúrdia é a certeza de que o "País do Carnaval" jamais se transformará numa pátria séria e comprometida com a justiça.
Pobres dos nossos descendentes!
* Agradeço ao amigo e grande Coxa-Branca, Bruno Massinham, pela produção da imagem que ilustra este post.
União, trabalho e muitos sócios = Coritiba forte e vencedor!
Saudações Alviverdes,
Percy Goralewski
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