Fala, Dr. X!
Com ajuda do meu amigo Tzar, iniciamos a segunda parte do Dossiê.
Reportagem do jornal Folha de São Paulo, edição de 12 de julho, informa que o governo paulista gastou, no triênio 2007-2009, uma média mensal de R$ 9,2 milhões com publicidade, marketing e comunicação institucional.
O valor inclui toda a propaganda da administração direta (secretarias de saúde, educação, segurança pública, transportes, etc.), de suas autarquias (USP, Unicamp, HC, DER, Unesp) e das poderosas estatais (Dersa, Sabesp, Metrô, Cetesb, CDHU, Codasp, Imprensa Oficial) da unidade da federação mais rica do país, responsável por 33,9% do PIB brasileiro – 5,65 vezes maior do que o paranaense, que responde por 6,0%.
O gasto de R$ 110,4 milhões anuais em marketing, pela máquina estatal paulista, tem sido duramente criticado pela sociedade civil organizada e pela imprensa nacional, como exemplo de desperdício.
Tal introdução se faz necessária a propósito de comentar o projeto-de-lei de iniciativa do deputado estadual Luiz Claudio Romanelli (PMDB-PR), que propõe destinar R$ 40 milhões da Companhia Paranaense de Energia Elétrica ao Clube Atlético Parananense, a título de aquisição de naming rights, para concluir o estádio Joaquim Américo (Arena da Baixada).
Trata-se de direcionar a uma entidade privada (clube de futebol) quantia equivalente a 36% de todo o gasto com marketing feito em um ano inteiro pelo governo paulista.
É bom esclarecer que naming rights em estádio da Copa do Mundo não é instituto permitido pela FIFA. Na Copa da Alemanha, por exemplo, a Allianz Arena de Munique, que ostentava a marca da maior companhia de seguros do mundo, foi renomeada para FIFA WM-Stadion München, com a retirada do letreiro nominativo do estádio desde a Copa das Confederações, em 2005. Somente official sponsors da entidade que rege o futebol mundial podem ter suas marcas veiculadas em qualquer placa, num raio de ao menos 2km de cada praça esportiva que sedie uma Copa do Mundo, como se viu na Alemanha e na África do Sul.
Os "direitos de nome" de um estádio ou de uma casa de espetáculos - como a Mastercard Hall paulistana, a Pepsi On Stage de Porto Alegre, a Citibank Hall carioca ou o DirecTV Music Hall – obedecem a dois pilares da lógica de mercado: o concorrencial (necessidade da empresa anunciante disputar market share com outros players de seu segmento) e a proporcionalidade da exposição do local, que corresponde à visibilidade do espaço, de acordo com a importância e o tamanho das torcidas, ou o poder aquisitivo do público que o frequenta.
Quanto ao primeiro ponto, muitos têm lembrado o patrocínio da BR Distribuidora (da holding Petrobras), ao estádio da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, em 2005. Na espécie, convém trazer à lembrança que a BR disputa o mercado nacional de distribuição de combustível com Esso-Cosan, Shell, Texaco e Ipiranga-Atlantic, dentre outras. Precisa, como as demais, investir em propaganda, para ampliar e/ou defender fatias desse mercado.
A Copel, diferentemente, não disputa o mercado de energia elétrica no Paraná, pela simples razão de que aqui exerce o monopólio. Não tem concorrentes. Os paranaenses não podem trocar o fornecimento da luz de suas casas por insumos da Light ou Eletropaulo.
A justificativa, tão pueril quanto desmedida, de que a Copel estaria "planejando" ingressar no mercado da banda larga daqui a dois anos, começando pela pequena Santo Antônio da Platina, é de tal modo despropositada, que chega a ser um acinte à inteligência dos cidadãos.
Outro aspecto é a importância proposta – R$ 40 milhões. A tomar-se como base o U$ 1 milhão pago anualmente pela Kyocera, que não quis renovar contrato com o clube paranaense, a quantia sugerida pelo deputado corresponderia a 22 anos e meio do uso do nome do estádio que se pretende concluir, que seriam interrompidos pelos eventos de 2013 e 2014. Teria início, em tese, em 2010, expirando-se no longínquo ano de 2035, daqui a oito legislaturas.
O ponto nevrálgico da questão, contudo, passa longe disso tudo: prende-se à necessidade do respeito à supremacia do interesse público, que constitui a base principiológica sobre a qual se assenta o ordenamento constitucional que rege os atos do aparelho estatal.
A motivação de fundo do poder do Estado deve obedecer ao interesse da coletividade. As ações adotadas pelo administrador público têm como pressuposto a prevalência do interesse social. A revolução francesa, o liberalismo clássico, o walfare state e a própria concepção do Estado contemporâneo, se têm um só ponto de absoluta convergência, este é o princípio de que o interesse coletivo deve reger o uso dos recursos de toda empresa constituída e mantida majoritariamente pelo aparato estatal.
Daí decorre que a validade das normas (leis, decretos, portarias, etc.) pressupõe a existência de propósitos eminentemente coletivos, os quais devem se sobrepujar ao interesse de cunho particular e privado. Isso não se dá "in abstrato". É imposição concreta, que eiva do vício de inconstitucionalidade qualquer regra ou ato que o contrarie.
Curitiba e o Paraná estão diante de um dilema, cuja origem se situa no descumprimento do stadium agreement (firmado pelo clube), referendado por uma matriz de responsabilidade e um termo de compromisso. Em tais documentos, ficou claro que:
Nunca existiu, portanto, "tripartição" alguma, quanto à responsabilidade pelos recursos para o estádio. Ela é exclusiva e integralmente do proprietário. Desde o princípio o clube sempre soube disso.
No início, o discurso dos dirigentes do clube era de que o investimento de empresas privadas já estaria assegurado e citavam, em entrevistas várias, gigantes como Fly Emirates, Hipercard, Ambev, MRV, Hypermarcas, Volkswagen e HSBC, conforme a ocasião.
Com o passar do tempo e diante da iminência do vencimento dos prazos para apresentação das garantias financeiras, veio a confissão: "no tengo dinero", tal qual o velho sucesso da banda Righera dos anos 80. Ou seja, que havia mentido quando ofereceu a Baixada.
Renegou-se, assim, de última hora, tudo quanto fora firmado em documentos. Isso não ocorreu com o Internacional de Porto Alegre, que honrou sua palavra e cumpriu os compromissos com a FIFA, as autoridades e o povo gaúcho. O clube foi honesto e não voltou atrás.
É chegada a hora de os governos do Paraná e Curitiba fazerem valer o mandato outorgado pelo povo nas urnas: edificar um complexo esportivo público que atenda ao conceito 24 por 7, assim definido como um centro multiuso voltado à coletividade metropolitana. Um estádio que atenda, nos espaços ociosos pré e pós-Copa do Mundo (centro de imprensa, zona mista, etc.), como posto de saúde 24 horas, teatro popular, centro permanente de exposições artísticas e manifestações culturais, sete dias por semana. Isso sim deixaria um legado social ao contribuinte.
Sua edificação permitiria, inclusive, que os três grandes clubes de Curitiba ali mandassem seus jogos, facultando-lhes vender os terrenos de seus respectivos estádios para investir na formação de futuras gerações de atletas, com acompanhamento educacional integral.
O novo estádio poderá custar mais caro, certamente, mas sua destinação será o bem do conjunto dos cidadãos – e não de um pequeno grupo de pessoas que "trucaram" há dois anos, na expectativa de receber, futuramente, donativo indevido de uma empresa que é de todos nós.
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