Falando de Bola
Hugo Santo era um menino de bom caráter. De origem humilde, tinha o sonho de virar jogador de futebol, sonho de 10 entre 10 meninos brasileiros. Seu maior desejo era ajudar a sua família.
Desde pequeno não podia ver uma bola que saía chutando ela por aí. Onde existiam dois espaços que delimitavam um gol imaginário lá ia ele chutar a bola para que ela entrasse no meio desse espaço imaginário.
O garoto foi crescendo, ganhando corpo de atacante rompedor. Seus pais logo perceberam que tinham criado uma jóia rara.
Hugo era um menino promissor. Atacante dos bons, daqueles que rotineiramente estufavam as redes adversárias. Nas categorias de base todos os que o acompanhavam categoricamente diziam: “ Esse aí é jogador de seleção brasileira. ”
Não demorou muito e deixou sua cidade em busca de conquistar o seu sonho. Foi fazer testes em um clube grande, que um dia foi campeão brasileiro, mas que anda em baixa, fruto da má administração de seus dirigentes. Um lugar perfeito para que Hugo Santo pudesse desenvolver seu trabalho com tranquilidade e pudesse se destacar.
E não deu outra. Logo se tornou artilheiro nas categorias de base. Seus treinadores enxergaram nele uma jóia rara. Os dirigentes brilharam os olhos e viram nele a possibilidade de transformá-lo em cifras. Seu empresário imaginou ter ganho na loteria ao ter um jovem de tanto potencial sob a sua tutela.
Em sua primeira grande chance, foi artilheiro do seu time em um torneio nacional de categorias de base. Os olhos cresceram ainda mais para o garoto. Agora não eram apenas os dirigentes e o treinador da equipe principal de seu time, mas também olheiros de outras equipes.
Não demorou e Hugo Santo foi chamado para treinar entre os profissionais. Na carência de bons atacantes de sua equipe, estaria ali a grande chance de sua vida. E o jovem não decepcionou.
Em uma de suas primeiras partidas, um gol de cabeça em um clássico, disputado na casa do rival. O gol que abriu o caminho da vitória, acendeu os holofotes sobre aquele garoto alto, de corpo forte, e faro de gol.
As boas atuações eram o que faltavam para ele ser definitivamente alçado ao grupo profissional, logo em um ano importante para o clube, que necessitava conquistar o acesso para a divisão principal do futebol nacional.
Hugo Santo fez parte do grupo que conseguiu o acesso. Não foi titular como muitos esperavam que acontecesse. Mas ajudou o clube. Foram poucos gols que o garoto marcou, mas ainda assim todos no clube continuavam apostando no jovem jogador de apenas 18 anos.
Veio o ano seguinte. Hugo Santo já completamente integrado à equipe profissional. Com a preparação de uma pré-temporada inteira, a expectativa era de que o jovem arrebentasse em seu segundo ano como profissional.
Sem o artilheiro do ano anterior, que tinha sido dispensado por indisciplina, Hugo Santo tinha tudo para agarrar de vez a oportunidade e se tornar titular de sua equipe.
Mas algo estranho estava acontecendo com Hugo Santo. O menino estava diferente, parecia desinteressado ao que acontecia dentro de campo. Lento, apático, pouco concluía em gol. Nem suas arrancadas, que eram seu ponto forte, apareciam.
Mas fora de campo Hugo Santo brilhava. Com 19 anos já possuía um carrão, daqueles de fazer inveja nos olhos de quem não tem. Nas redes sociais era o rei. Diziam por aí que o jovem conversava com várias garotas ao mesmo tempo. Hugo Santo ficava louco por uma “maria chuteira”. Tinha dias que o garoto, na flor da idade, saía com duas no mesmo dia.
Não via a hora de sair do treino para encontrar uma “maria chuteira” diferente a cada encontro. Tinha dias até que Hugo Santo não tinha a menor vontade de ir treinar ou concentrar para uma partida, pois o que mais queria era encontrar suas “conquistas”.
Por onde Hugo Santo passava era paparicado. Seu empresário, seus amigos, seus companheiros, todos lhe davam tapinhas nas costas.
O guri estava completamente deslumbrado. O futebol não era mais o seu foco. Para que se esforçar, se Hugo Santo achava que os gols viriam ao natural. Mas isso não acontecia mais.
Sem impressionar seu treinador nas oportunidades que tinha, todas contra adversários fracos onde a chance de se destacar era muito grande, perdeu a titularidade para um jogador veterano, que era a terceira opção do treinador.
Com todos decepcionados com seu rendimento, Hugo Santo pouco se importava. O que interessava mesmo era “bater um bolão” fora de campo. E isso continuava acontecendo. Hugo Santo era o rei das redes sociais.
O problema é que Hugo Santo não tinha ninguém para aconselhá-lo de verdade, e não percebeu que as suas atitudes no presente refletiriam diretamente no seu futuro.
Hoje, dez anos depois, Hugo Santo trabalha como treinador de escolinhas de futebol, depois de passar por mais de 15 clubes das Séries C e D. Sempre com contratos curtos, de valor baixo. Em alguns clubes não recebeu nada pelo tempo que jogou. Seu empresário quando viu que Hugo Santo não era mais uma mercadoria valiosa o deixou. Os "amigos" o deixaram quando perceberam que Hugo Santo já não tinha mais dinheiro para bancar o camarote e as bebidas nas baladas.
O rosto castigado pelo sol da época de jogos e treinos já não impressiona mais as “marias-chuteiras”. O carrão do passado deu lugar a uma bicicleta, que Hugo Santo usa para ir da sua modesta casa até os campos em que treina os meninos.
Meninos esses, que tem o mesmo sonho que Hugo Santo tinha. Que era o de vestir a camisa da seleção brasileira e de jogar na Europa. O que nunca aconteceu com Hugo Santo.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Saudações Alviverdes
Ricardo Honório
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