Falando de Bola
Tem coisas que jamais nos sairão da memória. E aquilo que começou na noite de 31 de julho e acabou na madrugada de agosto de 1985 jamais será esquecido.
Antes da finalíssima, aquele campeonato brasileiro tinha trazido grandes emoções para a torcida Coxa. Algumas mais comentadas, como o gol de Lela no último minuto do jogo contra o Santos que classificou o time para a segunda fase, o sufoco na semifinal contra o timaço do Atlético MG no Mineirão, que ficou marcado pela defesa espetacular de Rafael, e outras nem tanto, como os golaços de Marildo, que deu a vitória contra o Flamengo no Maracanã, e de Lela contra o Joinville, encobrindo o goleiro adversário, após um belo lançamento do goleiro Rafael.
O jogo contra o Bangu era marcado de grande expectativa. Lembro como se fosse ontem. Tinha apenas 9 anos no dia do jogo, completaria 10 quando Gomes converteu o gol do título.
Queria muito ir ao Maracanã, mas meu pai se enrolou, com medo de confusões, e acabamos não indo. Meu irmão Fernando e meu grande amigo Dimas foram em um Del Rey com mais quatro pessoas dentro. Ah, como pensei em me esconder no porta-malas naquele dia.
Em casa estávamos todos preparados para a grande final. Como consolo, minha mãe tinha costurado uma enorme bandeira verde e branca para mim. Enrolado nela, via o jogo começar.
O Coritiba tinha um time acertado, mas o Bangu tinha uma equipe mais técnica e o atacante Marinho, eleito craque do campeonato, além é claro do poderoso bicheiro Castor de Andrade, que na época tinha grande influência no Rio de Janeiro.
A tensão era total, o Bangu tinha domínio do jogo, mas aos 26 minutos do primeiro tempo, Indio, que não fazia gol há 16 jogos, bate uma falta com perfeição e abre o placar para o Coritiba. O gol era um sinal dos deuses de que o time Coxa seria campeão, pois além do jejum de gols, o centroavante Alviverde não tinha o costume de bater faltas. Explosão da torcida Coxa no Maracanã e na sala da minha casa. Era um misto de gritos, sorrisos e choro.
Mas não deu para comemorar por muito tempo, nove minutos depois o Bangu empatava com o meia Lulinha, após uma bola espirrada do lateral Dida. A tensão voltou com intensidade.
Após o gol só deu Bangu. Com o apoio de 90% dos torcedores que foram ao Maracanã, o time carioca pressionava de todas as maneiras, e chegou até a marcar com Marinho, mas o árbitro Romualdo Arppi Filho corrigiu o erro do bandeira e marcou impedimento.
Mais sufoco na prorrogação, mas nada de gols. Faltava pouco, mas a tensão foi ao limite máximo com a disputa de pênaltis.
Ninguém errava. O Bangu marcava de um lado, o Coxa ia lá e empatava. Lembro como se fosse ontem da tensão que foi ver o zagueiro Vavá bater o seu pênalti no meio do gol. Sorte que o goleiro Gilmar, provavelmente com medo da bomba que se anunciava, se jogou para um canto para não ser recolhido com bola e tudo para dentro do gol.
Quando as cinco cobranças de cada lado acabaram com todos os pênaltis convertidos, a tensão aumentou ainda mais, já que agora as cobranças seriam alternadas e qualquer erro poderia ser fatal.
A lembrança do pênalti de Ado vem com muita clareza. Minha mãe ajoelhada na frente da tv, com as mãos estendidas aos céus, rogava para que a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro fechasse o gol de Rafael. Os gritos de incentivo se transformaram na mais profunda oração.
Quando Ado correu pra bola, a santa, que dá o nome a igreja em frente ao Couto Pereira, deu um empurrãozinho na trave direita de Rafael, diminuindo um pouco o quadrilátero que o ponta do Bangu tinha para fazer o gol, mas que foi o suficiente para que Ado desperdiçasse sua cobrança, mandando a bola na trave.
A oração de Dona Elisa, minha mãe, novamente se transformou em um misto de alegria, choro e sorrisos quando logo em seguida o zagueiro Gomes pegou a bola e correu para dar o final mais feliz da vida de um torcedor Coxa-Branca.
Eu, um guri de 10 anos recém completados, fui dormir feliz na vida, enrolado na bandeira Alviverde e com a sensação de ser o torcedor do melhor time do Brasil naquele momento. Uma sensação que realmente não se explica, apenas se vive.
Saudações Alviverdes
Ricardo Honório
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