Futebol: Razão x Emoção
Quando nossa geração tiver deixado este plano terreno, e futuros historiadores, jornalistas, economistas, e demais acadêmicos forem estudar o setor da economia esporte, subseção futebol, eles certamente destacarão nossa época como a era de aquário do futebol brasileiro.
Debruçar-se-ão sobre nossa época e decretarão que foi neste momento histórico (final do século XX e início do XXI) que o futebol brasileiro deixou de ser movido pela paixão para funcionar única e exclusivamente através da mais velha e simples equação de mercado: oferta x demanda.
Mas nem sempre foi assim.
Antes, os clubes dominavam a economia futebolística. Com gestões semiamadoras ou muitas vezes amadoras mesmo, geriam o esporte e tinham o domínio sobre seus atletas, dos quais dispunham, como, quando e da maneira que melhor lhes aprouvesse. Os atletas eram de outra estirpe, tinham o que chamamos de “amor à camisa”, e não buscavam tanta projeção de carreira e tantos holofotes.
Essas diretorias amadoras, no entanto, eram formadas por torcedores brincando de dirigentes, criando uma bolha de débitos que mais cedo ou mais tarde haveria de estourar no colo de alguém.
Veio então a Lei Pelé, que por suas lacunas,além de dar a justa autonomia aos atletas profissionais, permitiu que o futebol passasse a sofrer influência de terceiros. Empresários, procuradores, investidores. E estes, técnicos e experts, não tardaram a perceber que poderiam lucrar e muito em cima dos clubes que eram geridos não raras vezes por completos leigos.
Isso sem mencionar a influência sobre os atletas, que quase sempre eram analfabetos funcionais, carentes, e entregavam suas vidas nas mãos de qualquer um com a promessa de um contrato.
Inclua-se neste molho, o ingrediente: televisão. Que há algum tempo é o maior gerador de receitas aos clubes, que ficam reféns da emissora, de seus horários, exigências, eis que esta tem tráfego irrestrito dentro da CBF, que, por sua vez, nunca foi defensora dos clubes, e ainda não é, cuidando apenas, e mal, de sua seleção, mas muito bem de suas finanças.
O quadro todo apontava então para o fim dos clubes, e o surgimento de empresas, como ocorre na Inglaterra e na Alemanha, prioritariamente. Ocorre que nossos clubes devem muito para mudar seu Objetivo Social, nenhuma empresa sobrevive sem lucro e cheia de dívidas.
Surgiram, sem qualquer vergonha, clubes de empresário. Itinerantes, sem qualquer identidade com o povo ou a cidade. Como exemplos: Ipatinga, agora Betim, Grêmio, que ora é Prudente ora é Barueri.
Não precisa ser um especialista do direito desportivo para perceber que é necessária uma legislação para coibir os abusos e permitir que clubes, investidores e empresários convivam no mesmo espaço econômico sem autofagia, e sem a dependência danosa que hoje impera.
Uma outra Lei, de responsabilidade fiscal dos clubes, como existe para o poder público, também é necessária, para coibir más e irresponsáveis gestões, que gastam mais do que arrecadam.
Enquanto isto não ocorre, para lutar contra esta gama de fatores que vinha esmagando os clubes, estes recorreram àqueles que representam o porquê de toda esta celeuma: o torcedor.
Surgiram os “modernos” planos de sócios, uma tentativa dos clubes de voltarem a ser independentes e donos de algum capital que eles próprios pudessem gerir, sem dever porcentagens a este ou aquele.
E ainda temos, para sacramentar a era de mudanças que vivemos, a Copa do Mundo, que dará novos estádios e um novo conceito sobre como se acompanha, ou como se deve acompanhar futebol no Brasil. Conceito teatral importado da Europa.
Não precisamos ir longe para dar de cara com a mudança, basta olhar pra baixo e ver que o clube que sempre invejou nosso patrimônio, agora espera saborear doce vingança.
Corinthians e Flamengo, gostemos ou não, pelo tamanho de suas torcidas, lançaram planos de sócios, que, somados às exorbitantes cotas de TV, lhes proporcionarão vantagem na largada dos “candidatos a supertimes brasileiros.”
O nosso Coxa, se seguir nesta linha empresarial austera, e não mais for liderado por aventureiros, será um time grande, de tradição, de camisa, de base, de respeito. Mas, incomparável financeiramente aos dois acima citados, por exemplo.
Com os pequenos, o futuro será impiedoso. Arapongas, e Cianortes murcharam aos montes pelo Brasil.
Os campeonatos estaduais, deficitários, de renda e público irrisórios, serão extintos, dando lugar a copas regionais e nacionais muito mais rentáveis e de acordo com a "nova ordem" do futebol.
O único ente deste quadro que não mudou e nem mudará muito quando estudada no futuro, é a torcida, que seguirá sendo o componente lúdico, apaixonado, a origem e o destino de toda esta máquina econômica chamada futebol. Mais civilizada, oxalá, e, claro, um pouco mais exigente quanto ao conforto para assistir a derrocada, a falência ou a sobrevivência financeira de seu amado clube.
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