Opinião, Polêmica e Conspiração
O meia Alex concedeu uma entrevista exclusiva a Murilo Basso, do site Impedimento.org e nela ele faz uma avaliação do seu passado, incluindo seu retorno da Turquia, em setembro de 2012 até o presente momento e mostra ainda como será o possível futuro no Coritiba, clube que o revelou para o mundo.
Boa leitura!
Quase um semestre depois, quais suas impressões sobre futebol paranaense?
Dentro de campo mudaram algumas coisas, mas nada significativo porque continuei acompanhando pela televisão enquanto estive fora. O que me surpreendeu negativamente é que, em se tratando de organização, continua a mesma bagunça. Passaram 15 anos e não mudou nada. A Federação Paranaense segue cada vez mais enfraquecida, os clubes andando separados, ninguém consegue sentar junto para tomar um café e trocar uma ideia e isso, em 2013, me entristece bastante. Confesso que esperava alguma evolução nesse sentido, mas estagnou de uma forma deprimente.
Dentro desse contexto, a rivalidade deve existir apenas dentro de campo?
A rivalidade é nos 90 minutos. Acabou o jogo, quem foi melhor comemora, quem não foi vai trabalhar para melhorar. Fora das quatro linhas, os clubes precisam conversar. Os profissionais trocam ideias: treinadores conversam entre si, preparadores também e por aí vai. Agora, presidentes e diretores precisam sentar e conversar. E cabe à Federação intermediar algo nesse sentido, esse seria o trabalho dela. Não podemos decidir um campeonato com um clássico para 4, 5 mil pessoas. Isso é uma vergonha. No jogo da ida, eu e o Renan Foguinho chegamos no juiz e perguntamos quanto faltava para acabar. Ele respondeu “ainda tem 30 minutos”. Nós dissemos “mas ninguém mais enxerga a bola!”. Ele ainda brincou: “vocês querem que eu termine agora?”. Todos levamos na brincadeira, mas olhando seriamente, em uma decisão de Paranaense, isso não pode acontecer. Afinal, você não oferece uma boa situação para o seu torcedor. Nessa história toda, o único que teve boa vontade foi o Paraná Clube, que ao menos ofereceu um local. E mesmo assim foi ruim para a imprensa promover, porque não sabíamos onde seria o jogo. O torcedor não pôde se programar, porque três dias antes ele também não sabia onde seria o jogo. Nesse sentido, realmente ainda temos muito a melhorar.
E qual a sensação após o primeiro título conquistado? Em entrevistas anteriores ao seu retorno, tu sempre disse que sonhava em ser campeão aqui. O que aconteceu esse ano lembra o que aquele garoto que saiu em 97 sonhou?
Claro! É uma realização. É algo de menino, de moleque mesmo. Tudo bem, olhando os títulos que conquistei em minha carreira, o Paranaense não é o mais importante. Se dissesse isso seria demagogia. Mas ele é diferente. Fui campeão de uma Libertadores com o Palmeiras, mas nunca tinha sido palmeirense quando criança. Nunca tinha sentado em frente à televisão para ver um jogo do Palmeiras. Fui no Couto Pereira adolescente um milhão de vezes. Vi o Coritiba ganhar, vi o Coritiba perder, tive todo esse sentimento de torcedor. Então é a realização de algo que demorou 18 anos para acontecer.
O que passou na sua cabeça quando tu viu o Coritiba atrás no marcador, no Couto Pereira, com menos de 10 minutos de jogo? Em algum momento achou que não iria conseguir?
Sim, passa isso pela cabeça. Começa o jogo, teu goleiro toma um frango e você acaba pensando “Pô, não vai acontecer. Ferrou mesmo”. Mas esse é o momento e é mais o lado torcedor. Em contrapartida, após esse instante, falei para o Deivid para darmos uma tranquilizada na rapaziada porque nós jogávamos por uma bola. Ela apareceu e empatei o jogo. Nessa hora, você olha o contexto do jogo e isso acaba refletindo nos jogadores. Aquele “ferrou” que usei com o Vanderlei passou para o lado adversário com uma intensidade três vezes maior. E ali eu pensei “não tem mais jeito de o Atlético voltar para o jogo”. Tanto é que depois do empate eles não fizeram mais nada.
Olhando agora friamente, após o gol de empate, foi mesmo um titulo tranquilo. Entre 20 minutos do primeiro tempo e o apito final o Atlético teve poucas chances de finalização.
Sim. E eles escaparam de tomar mais gols. Foram duas bolas na trave, algumas jogadas que se, nós precisássemos marcar, talvez tivessem se desenvolvido de outra forma.
Em algum momento vocês trataram a disputa de maneira distinta pelo Atlético estar com um time dito “sub-23″?
Não. Era um titulo histórico. Estávamos nos preparando para ganhá-lo desde o último jogo do ano passado, contra o Figueirense. Nossa comissão técnica organizou toda a pré-temporada, começou a estudar o momento em que eu iria estrear. Na própria pré-temporada rolou uma confusão para dividir o time, quem tinha melhores condições. Porém, tudo isso foi muito planejado para ganharmos o primeiro turno de qualquer forma e então pudéssemos ter tranquilidade para colocar todo mundo para jogar. O Marquinhos foi muito criticado em vários momentos por alternar esquemas e jogadores, mas eram situações programadas; ele queria visualizar possibilidades distintas, até mesmo de comportamento. Por isso fizemos um segundo turno tão irregular. Nós demos a importância que o campeonato realmente tinha, porque o último tetracampeonato do Coritiba havia sido na década de 70. Sabe-se lá quando vai acontecer. Até concordo que hoje, uma semana após o título, talvez estejamos falando mais de outras situações, como Copa do Brasil ou Campeonato Brasileiro, mas daqui 20 anos os torcedores vão falar daquele tetracampeonato de 2013. Assim como ainda falamos do tetracampeonato do Paraná na década de 90. É a marcação de um ponto na história. Quando meu filho, que hoje tem 3 anos, tiver 13, ele irá lembrar daqueles momentos que viveu durante esse jogo. E todo este contexto já abre uma brecha para o campeonato do ano que vem. Então não adianta tentarem me convencer que era um jogo qualquer, uma final qualquer. Além disso, nesse grupo, existem cinco jogadores que participaram das quatro conquistas. Eles merecem uma conotação diferente. É algo que só alguns jogadores da década de 70 conquistaram e eles também. O Campeonato Paranaense é fraco e a Federação é ruim? Sim. Mas os caras foram campeões quatro vezes seguidas. Manter uma hegemonia não é algo fácil.
Talvez seja a mesma situação daqueles que tentam diminuir o recorde de vitórias desqualificando os adversários.
Não interessa. Pouco importa. Qual outro time ganhou 24 partidas seguidas? Esse time é tetracampeão e ninguém tira isso. Como o próprio Coritiba foi na década de 70. E como o Paraná foi no início dos anos 90. E o Atlético tentou desvalorizar o campeonato porque tinha consciência de toda essa situação.
De qualquer forma, ainda dentro deste contexto, é válida uma pré-temporada nesses moldes do CAP ou o jogador prefere sempre estar disputando competições?
Mesmo que o time não tenha tido essa oportunidade, eu fiz uma pré-temporada como estou acostumado. Então posso falar por mim. Foi desenhada uma forma para que dentro das necessidades do clube cada jogador se preparasse da melhor forma possível. Eu comecei a treinar dia 3 de janeiro e estreei dia 26 contra o Colón. Depois, seguraram um pouco para eu jogar alguns dias depois. Realmente não é o ideal porque não foi para todos, mas eu não posso reclamar. Acabou sobrando para os meninos; os mais novos ainda têm pique para segurar o tranco.
Ao longo do campeonato, o Marquinhos sofreu diversas críticas fundamentadas em uma suposta inexperiência…
O trabalho dele é bom, o resto é conversa mole. Sinceramente, o único treinador que estranhei foi o Zico. Porque era o Zico! Demorou uns seis meses para eu me tocar que era meu treinador e não o camisa 10 do Flamengo. Olho para o Marquinhos do mesmo jeito que olhava para o Aragonés, que tinha 70 anos. Só vejo ele mais novo fora do campo, lá dentro ele é nosso treinador e a hierarquia existe. Ele é super inteligente, exige a hora que tem que exigir e alivia quando tem que aliviar. Também tem algo ótimo, mas que aqueles que observam de fora não conseguem associar: ele trabalhou com moleques por muito tempo, então a didática dele é moderna, não é um treinador viciado, com conceitos fechados. Quanto a ser criticado, vai ser bom para ele, vai ficar calejado. Não é nem que o torcedor do Coritiba é muito chato, o curitibano é assim mesmo! (risos).
Qual das Copas você se sentia em melhores condições para disputar: 2002 ou 2006?
2002. Participei das eliminatórias inteiras, estava presente em todas as convocações. O Felipe tinha sido meu treinador durante três anos, fomos campeões juntos. Em 2006 não tinha tantas expectativas. Em 2004 conquistamos a Copa América e tive uma conversa com o Parreira. Dentro dessa conversa, ele começou a desenhar o time e disse que ficaria difícil me encaixar. Mas ele abriu o jogo, foi sincero, algo 100% limpo. A minha preparação para 2006 foi que, se fosse convocado, seria uma surpresa. Já em 2002 não.
Em 2010 as expectativas já estavam zeradas?
Sim. O Dunga tinha passado três semanas na Turquia e viu três jogos do Fenerbahçe. Na época, eu estava jogando bem. Na sequência saiu uma convocação, ele não me chamou e desencanei. Mais por ele ter passado esse período lá e não ter mudado de ideia. Mas a Copa que eu achava que poderia disputar era a de 2002.
Isso te frustra de alguma forma?
Me frustrou lá atrás, quando ainda era algo muito vivo. Agora já passaram 11 anos. E jogadores que jogaram muito mais do que eu também não disputaram uma Copa. E, olha, há um milhão de coisas no meio do caminho para um treinador levar 23 jogadores que não vou entrar no mérito. Também há milhões de histórias que ouvimos… Cara, depois de tanto tempo no futebol, pode apostar: tem tanta coisa mais importante para você se frustrar do que uma situação como essa.
Tipo?
Não, deixa isso pra lá (risos).
E 2014?
Não, nenhuma. Em 2014 vou estar fazendo churrasco com o Raul . Não é, Raul? Onde vamos estar na Copa? Vamos viajar ou ficar por aqui? Ele ainda acha que vou para a Copa do Mundo, mas não vou não. Fui para a Seleção a última vez em 2006, seis meses antes do Mundial da Alemanha. Tudo isso vai diminuindo com o tempo. Pensava muito em seleção, mas depois você não é mais convocado com tanta frequência e posteriormente chega o momento em que você para de ser convocado. Então você não pensa mais nisso. Até mesmo porque a idade vai chegando, vão surgindo outros jogadores.
Mas esse discurso de “renovar para uma Copa” não é meio errado? Por que eu não poderia levar um jogador como, por exemplo, o Zé Roberto que está comendo a bola, se a disputa dura um mês e serão no máximo sete jogos?
Concordo, também acho isso. Só que um treinador nunca irá montar o “time do momento”. Treinador monta o time ao longo de um período. Se você não está indo ao longo desse processo, dificilmente irá no final. Para ir no final só sendo um moleque que surge bem para caramba. Como o Ronaldo em 94. Em 2010 o Neymar poderia ter ido. Não foi porque o Dunga bancou dentro dos critérios dele. Em 90, o Neto voava, mas o Lazaroni levou o Bismarck, que era um menino surgindo no Vasco. Há vários exemplos nesse sentido. Não é mais algo que fica me corroendo. Hoje só quero jogar bola e me divertir.
Durante todo seu processo de saída da Turquia, tu chegou a declarar que via o futebol de uma forma diferente do Aykut Kocaman, seu treinador na época. O que seria essa forma diferente?
Ele era um treinador que não trabalhava. Nada! Não trabalhava nada. Entrou com uma ideia de que o time precisava correr muito. Correr 11, 12 km por jogo. Disse “ok”, mas nós temos que trabalhar para que então a maneira de jogar acabe naturalmente acontecendo desse jeito. Sendo sincero, ele dava treinamentos que eu achava que não serviam para nada. E comecei a discutir isso com ele. Muitas vezes ele aceitava, concordava comigo. Só que, durante todo esse ciclo, chegou um momento que a relação ficou insustentável. Ele chegou e disse que não poderíamos mais trabalhar juntos, que ele era o treinador e eu um grande nome da história do clube que não concordava com nada do que ele fazia e falava. E realmente eu não concordava; ele pensava amarelo e eu penso verde. Um dia ele disse que não contava mais comigo e eu pensei “Ótimo. Ao menos agora sei o que você está pensando; você já não contava comigo nos últimos três anos, você me aturou durante esses três anos”. Durante todo o período dele como meu treinador, a ideia era me tirar do time. Só que ele não conseguia, porque terminou um ano e eu fui o artilheiro do time. No outro, fui líder em assistências. Chegou uma hora em que ele precisava tomar uma decisão e escolheu não contar mais comigo. Só que ele quis que eu fosse treinar com os juniores. Não topei porque não tinha feito nada de errado, só não concordava com ele. E tem várias maneiras de você me fazer concordar com suas ideias, a partir do momento que nós vamos trabalhar em cima delas. Agora, encher linguiça e enganar os outros eu não quero, porque era isso que nós estávamos fazendo, estávamos enganando os outros.
Mas qual foi o momento em que as coisas realmente explodiram e a relação se tornou insustentável?
Nós jogamos um jogo na Romênia pela preliminar da Champions League. Acabou 1 a 1, mas foi um jogo de merda. Não joguei nada, o time também não encaixou. Um dia antes ele havia me chamado e perguntado se havia algum problema. Disse que sim, que tinha a sensação que desde o primeiro dia dele no clube, ainda como diretor, ele queria me ferrar. Ele confirmou, disse que desde o dia em que começou a trabalhar no Fenerbahçe a intenção dele era construir o time sem a minha presença.
Mas vocês se conheciam antes dele assumir como diretor?
Não. Quer saber como nós fomos apresentados? De 2008 para 2009, o Luis Aragonés era o treinador. Fizemos uma temporada horrível, a pior nos oito anos que passei lá. Acabamos em quarto lugar. O último jogo era contra o Trabzonspor, um clássico por lá. Foi dito que se ganhássemos, teríamos sete dias a mais de férias. Pô, sete dias a mais é férias para caramba para quem passa um ano fora. Ganhamos o jogo e a apresentação ficou marcada para o dia 7 de julho. Mas no final das férias, o Aragonés acabou sendo demitido. No dia 25 de junho o clube me liga avisando que a apresentação havia sido mudada para o dia 29. Falei que não voltaria. Já tinha me programado, passo 11 meses fora, só tenho um mês para ficar no Brasil. Disse que no dia 7 de julho, no horário marcado, estaria lá. O novo treinador era o Christopher Daum, que foi quem me levou para a Turquia em 2004. Fui direto falar com ele, e ele disse que não tinha nenhum problema, que quatro dias de treinamento não fariam falta nenhuma, mas que o novo diretor não tinha gostado do que havia ocorrido. E o novo diretor era o Aykut Kocaman. Fui na sala dele e ele disse que a partir daquele dia eu não seria mais o capitão do time, porque meu comportamento não era adequado e com ele tudo funcionaria diferente. Eu aceitei, mas falei como eu trabalho: se você me disser que a apresentação será no dia 7, às 16h, eu estarei no lugar marcado às 16h do dia 7. Agora, não muda no meio do caminho, porque eu não vou mudar. Mostrei o papel assinado pelo presidente dizendo que apresentação seria naquele dia e hora, apertamos as mãos e fomos embora. No outro dia eles queriam eleger o novo capitão, mas nenhum jogador aceitou. Me chamaram, disseram que eu seria capitão, mas que agiríamos de forma diferente. Concordei, mas falei que não agiria de forma diferente. Sou o capitão do vestiário, dos jogadores, não da diretoria. Se eu discordar das decisões, vou questionar. E foi assim que nos conhecemos. Ou seja, já começou errado.
Voltando para aquele jogo na Romênia…
Foi quando ele confirmou que sempre me quis fora do clube. Mas isso que contei é uma visão geral. Foi uma discussão bem pesada, um bate boca absurdo. As coisas que ele me disse, o que eu falei para ele… Eram três anos entalados, de uma relação que começou torta. Depois nós fomos jogar em Moscou, um jogo importante, contra o Spartak. Na preleção, ele diz: “Como o Alex não joga, escanteio bate o Cristian”. Fui saber que não jogaria na hora, mas fiquei quieto. Fomos para o vestiário, ele escalou o time, peguei o celular e tirei uma foto da escalação colocada na parede. Mas aí já de pirraça mesmo! Um diretor olhou e perguntou o que estava fazendo. Respondi que, quando fosse escrever um livro, iria colocar uma foto daquela escalação porque na minha cabeça aquilo era algo absurdo. Após isso, durou mais uns 15 dias. Mas o auge mesmo foi em 15 de setembro, quando ergueram a estátua. Era um sábado, 15h. Depois fui para o treino e ali vi que não havia mais clima: as pessoas não me olhavam mais como um jogador de futebol, era algo maior, mais representativo. Lembro que quando o Aykut me dispensou, fiquei muito mal, então me disseram: “Alex, esse cara não tem noção do que fez. Ele acabou de matar um jogador de futebol, mas criou um mito. Ele não tem ideia do quanto esse povo gosta de você”. E nem eu tinha essa noção.
Te surpreendeu a dimensão que tudo isso tomou?
Ainda surpreende. 15 mil pessoas na porta da minha casa, aquela multidão no aeroporto. Sempre falei para a minha mulher que em maio , quando acabasse o contrato, iríamos embora. Ela dizia: “Alex, você não vai sair assim. Você não consegue dimensionar tudo que aconteceu aqui nesses oito anos”. Na minha cabeça, só jogo bola. Não é nada além disso. E até hoje não entendo. Os turcos continuam me acompanhando, visitam o CT, na pré-temporada em Foz do Iguaçu tinha um monte, toda hora chega presente. Minha filha fez aniversário e chegou um monte de presente para ela. Mesmo agora, vendo de fora, ainda não consigo entender o tamanho dessa loucura.
Há alguma explicação lógica para o tamanho dessa idolatria?
Cara, olhando o óbvio, eu não fiz nada de diferente. Você pode argumentar que fiz muitos gols e dei várias assistências. Mas e qual é minha função? É jogar bola. Posso te dizer, sinceramente e sem falsa modéstia, que joguei muita bola na Turquia durante esses 8 anos e meio. Mas era só o meu trabalho. E não ganhei nenhum titulo absurdo. O mais perto disso que cheguei foi uma quartas-de-final de Champions League. Não teve nada de extraordinário. O pessoal fala do meu comportamento, de como agia com a minha família, de como meus filhos agiam. Mas também foi tudo muito natural. Não vejo nada de anormal em minha mulher ir em jogos de futebol, em meu filho ir no treino comigo. O povo ficou ensandecido quando nós escolhemos uma escola turca para as crianças. Mas escolhemos porque dentro todas que visitamos foi a melhor que encontramos. Ficaram loucos quando minha filha cantou o hino turco. Mas ela cantou porque era do cotidiano escolar dela, não foi nada forçado ou pensado. O que fiz, desde o começo, foi viver aquela cultura. Quando embarcamos para lá, em 2004, falei para minha mulher, que iríamos ficar três anos e depois veríamos o que aconteceria. Mas acabamos gostando tanto do país e ficando mais. Então era só se adequar à cultura deles, viver da maneira que eles vivem. Só isso. Não fizemos nada de espetacular.
Lembro de uma época em que Fenerbahçe enfrentava uma crise política muito forte – com a prisão do presidente, envolvido em esquema de apostas e muitos jogadores abandonaram o barco. Por que você não?
Falei para o presidente que não iria sair. Disse que acreditava neles, que eles não haviam comprado nada, não haviam subornado ninguém. Disse que, se o time caísse para a segunda divisão, como estava sujeito, também continuaria. A única coisa que pedi para o diretor que ficou responsável pelo clube era uma espécie de “programa de pagamento”, para que pudesse me organizar. Eles poderiam me pagar de três em três meses, mensal, semestral, como achassem melhor. Só pedi para que me avisassem, porque tenho família, tenho investimentos e precisaria me organizar. Os estrangeiros do time foram todos embora, só ficamos eu e os turcos. E foi um ano incrível, fiz 28 gols e fomos campeões.
Diante de toda essa relação com o Fenerbahçe, tu deve continuar acompanhando o clube. O que achou da campanha na Liga Europa?
Acompanho, continuo falando com os jogadores. Me surpreendi, afinal, como disse, conheço o treinador e ele não trabalhava para isso. Tem bons jogadores, mas…
Foi “empurrando com a barriga”?
Tanto foi que perderam o Campeonato Turco atuando dessa forma. Na Liga Turca, a força da camisa é muito grande. Então ela empurra, te faz chegar. Mas a nível europeu não funciona da mesma forma. A campanha me surpreendeu, mas de certa forma eles não enfrentaram adversários de renome antes da Lazio. Aí ganharam da Lazio, mas acabaram sendo eliminados pelo Benfica.
Um fato muito marcante foi o Cristian chorando após um pênalti perdido. Isso dá uma ideia da dimensão do quanto jogadores se ligam a um clube como o Fenerbahçe? A relação afetiva entre jogador e clube é semelhante a que o torcedor tem com o clube?
Cara, é muita emoção envolvida. E essa era uma das minhas discussões, que o futebol não pode ser só emoção. Assim como não pode ser só razão. Na Turquia tive quatro treinadores, três deles estrangeiros. Com o Aykut, aprendi que o futebol turco é emoção pura. Nosso último título turco foi só na emoção, só na força. Sem ter jogada nenhuma, nada ensaiado, nada treinado. A jogada que tínhamos era cruzamento na área, escanteio. O resto era emoção. Mas como time, você podia enxergar que não era nada demais. Por exemplo, o Corinthians você enxerga que funciona, que é bem treinado, você sabe onde está o dedo do Tite. Nós não, era sempre só na vontade. Então o Cristian chorando é compreensível, afinal você está inserido em um ambiente como aquele, tem um pênalti em um momento importante e perde, é normal extravasar sentimento.
Quando você decidiu que jogaria pelo Coritiba?
No meio daquele turbilhão de emoções pós-rescisão. Já tinha proposta do Ximenes no meu e-mail fazia três meses. Só tinha que decidir se era realmente aquilo que queria. Quando rescindi com o Fernerbahçe, foi aquela coisa louca, gente invadindo minha casa, dormindo no meu quintal. Ao mesmo tempo, a torcida do Cruzeiro coloca sete mil pessoas na rua pedindo minha volta. Achava tudo isso muito doido, não conseguia absorver. E nisso ouvi doze clubes brasileiros. Pessoas me ligavam e eu ouvia. Mas a proposta do Coritiba já estava no meu computador e eu sabia que aquilo era o máximo que o clube poderia me pagar. E também sabia que se pedisse o triplo em qualquer outro time que estava me ligando, os caras pagariam. Nesse choque todo falei para minha mulher que precisávamos nos acalmar e organizar tudo, ou poderia virar uma bagunça ainda maior. Quando voltei para o Brasil, já tinha decidido pelo Coritiba. Mas queria, de uma maneira educada, dispensar as propostas de Palmeiras e Cruzeiro, afinal tenho uma relação com esses clubes e ainda não tinha dito “não” para eles. Respeito o que eles me deram, queria dizer pessoalmente. Queria dizer para o César Sampaio, que era diretor do Palmeiras e tinha sido meu capitão quando ganhamos a Libertadores, pessoalmente. O presidente do Cruzeiro tinha sido diretor na época que passei por lá e eu queria responder com calma. Mas o Cruzeiro se antecipou, foi na imprensa e falou que eu não queria, que minha família não queria e na verdade eu ainda nem tinha assinado com o Coritiba. Então depois de ter conversado com Palmeiras e Cruzeiro, ter dito que não queria, sentei com o Ximenes e o Vilson e acertamos o que faltava.
Então aquela história de “peso da família na decisão”…
Nenhuma relação! Tanto que a minha mulher ainda brinca comigo: “se der errado essa coisa toda, a culpa é tua! Você quem escolheu!”. Essa conversa de que meu sogro é ex-presidente do clube e ele forçou, minha mulher é de Curitiba e queria ficar aqui… Não existiu nada disso. Se tivesse proposta dos EUA era capaz de ela ter nos forçado a ir para lá (risos).
Talvez ela seja mais consciente que você!
Ela sempre teve a preocupação de que voltar para Curitiba seria um processo natural para eu parar. Mas na minha idade, o processo de parar acontece em qualquer lugar. Se hoje estivesse no Palmeiras, ele aconteceria da mesma forma. Vou fazer 36 anos daqui alguns meses, se tivesse 33 e voltasse para o Coritiba, talvez tivesse acelerando esse processo. Com 36 posso ir para qualquer lugar que funcionaria da mesma forma. Ninguém joga bola até 40 anos…
Raul : Você joga!
Claro que joga Raul, mas o que quero dizer é o seguinte…
Raul: Ele tem uma idade biológica de 31, 32 anos. Nunca teve uma lesão séria, se ele quiser jogar até os 40, pode jogar sem problemas.
Então, se você parar aos 38, vai ficar nos devendo dois anos.
Pô, sacanagem! (risos) Mas enfim, com a idade que estou, esse processo de parar aconteceria em qualquer time. Em qualquer time eu seria veterano. Em qualquer clube o cuidado do departamento físico comigo teria que ser diferenciado.
Não te surpreende ser um meia e ter quase 400 gols?
Surpreende e muito. Lembro que quando fiz o primeiro gol meu pai disse que se eu fizesse 100 seria muito. Fiz uma aposta com ele que até 250 chegaria. Já tenho quase 150 de crédito e ainda estou contando.
Quais os mais importantes?
Depende, você precisa separar por times, tem gols realmente importantes…
O mais bonito é aquele contra o São Paulo, ainda pelo Palmeiras?
É, ele é lindo. Mas não valeu nada (risos). Vale no imaginário do torcedor, mas no final das contas, não valeu nada. Os dois do Atletiba valem muito mais. Ainda pelo Palmeiras, fiz dois gols contra o River Plate na Libertadores que têm um valor absurdo. Pelo Cruzeiro fiz um gol de letra no Maracanã que encaminhou o título da Copa do Brasil. Em 1995, aqui no Coritiba, quando nós vivíamos na merda, fiz um gol contra o Atlético que nos ajudou a subir para primeira divisão. Na Turquia, em um Fenerbahçe x CSKA, marquei um gol que nos ajudou a passar para as oitavas-de-final da Champions e foi a primeira vez que o clube passou da fase de grupos. Em contrapartida, também fiz um gol de bicicleta lá que falam até hoje, mas tô cagando para aquele gol (risos). Também não valeu nada. Foi instintivo, o único jeito que tinha para finalizar a jogada. Prefiro gols que o peso deles tenha alguma importância pelo momento, tanto meu como do clube. Aí talvez a gente consiga escolher mais alguns.
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