Por trás da Notícia
É assim que o futebol é visto por muita gente. Aliás, quanto mais velho se fica, a tendência de se analisar o esporte assim vai ficando maior. Quando o cara vira político, então, fica ainda mais difícil levar a sério aquela paixão que tanta gente tem pelo futebol.
Pode não parecer à primeira vista, mas esse ditado expressa o porquê de a justiça desportiva de futebol do Brasil ser como é: contraditória, subjetiva e subserviente a interesses escusos. Basta ver que as punições mais severas são aplicadas em escala inversamente proporcional ao "tamanho" do time. Quanto menor, maiores as penas, e vice-versa.
Estive na segunda-feira passada em uma audiência pública na sede da OAB do Paraná, aqui em Curitiba, cujo tema era a reforma do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que traz as regras de organização e disciplina do esporte em geral.
Sou advogado, mas não fui em tal condição. Fui como torcedor, como editor deste site, como alguém (ainda) idealista que não vê na justiça desportiva um filão para ganhar dinheiro, mas sim um esgoto pútrido onde alguns oportunistas aproveitam para brincar de serem juízes ou promotores, nas controversas figuras do auditor e do procurador, respectivamente.
A estrutura atual da justiça desportiva do Brasil é uma piada. Pode servir para esportes que não envolvam tanto dinheiro e interesse, mas jamais para o futebol. Explico: a justiça desportiva, ao contrário do Poder Judiciário, é privada, e não estatal. É mantida pelas federações e confederações. Não existe concurso público, não existe remuneração (pelo menos não formalmente). Ou seja, quem está lá é tão voluntário quanto nós do site COXAnautas, com a diferença que mexem com interesses relacionados a milhões de reais (principalmente no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, já que nos TJDs dos estados a realidade é realmente mais humilde) e sem a mesma responsabilidade que, modéstia à parte, nos norteia.
Voltando à audiência pública, na ocasião me manifestei publicamente levando as sugestões que tinha a apresentar. Falei sobre a falta de previsão do instituto da suspeição* no CBJD, de concurso público, de remuneração, comentei que os debates estavam sendo muito focados nas medidas disciplinares, ignorando as regras de organização.
Após minhas considerações, o auditor do STJD Alexandre Hellender Quadros, paranaense e torcedor do time da Baixada, comentou brevemente minha exposição, dizendo que para aplicar as mudanças que eu sugeria era preciso alterar a Lei Pelé, não apenas o CBJD - que é um regulamento do Conselho Nacional do Esporte voltado a trazer as disposições específicas previstas na Lei Federal; coisas de legisladores, enfim. O auditor, contudo, não comentou o que eu falei sobre vontade política para realizar tais alterações, limitando-se a impor um empecilho para elas.
Depois do Alexandre, o procurador-geral do STJD Paulo Schmitt falou também que as questões do concurso público e da remuneração se aplicariam no "mundo ideal", mas eram impossíveis dentro da atual realidade da justiça desportiva (Nota do Editor: pobre CBF, não tem dinheiro para reorganizar a justiça desportiva, nem poder político para promover as necessárias mudanças; seria isso ou falta de vontade de moralizar o esporte fora das quatro linhas?). Curiosamente Schmitt, que também é torcedor do A. Paranaense, não comentou o que eu falei sobre suspeição.
Nesta quinta-feira, lendo notícias sobre esporte, tive a confirmação do motivo que o levou a não fazê-lo. A ausência de previsão da suspeição permite que se mantenha o protecionismo dos auditores/procuradores-torcedores, coberto sob o manto da subjetividade das decisões, que variam muito de critérios de uma Comissão Disciplinar para a outra. O julgamento do Coritiba ignorando ausência de relato em súmula contraposto com a eventual denúncia do A. Paranaense estritamente baseada na súmula mostra isso.
Seguirei sendo um crítico dessa estrutura falida da "justiça" desportiva (permitam-me as aspas). Tentei fazer a minha parte, mas fui até criticado por colegas de profissão naquela noite, na OAB. Essencialmente aqueles que vivem desse ramo, e não enxergam que mudanças em direção a uma maior segurança jurídica seria boa até para os advogados. É uma pena.
* Suspeição – Situação, expressa em lei, que impede os juízes, representantes do Ministério Público, advogados, serventuários ou qualquer outro auxiliar da Justiça de, em certos casos, funcionarem no processo em que ela ocorra, em face da dúvida de que não possam exercer suas funções com a imparcialidade ou independência que lhes competem.
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