
Reflexões em Verde e Branco
Imagine-se.
Veja-se com 20, 21 anos... Jovem, promissor, mas tendo que deixar família e amigos para trás, em busca de um sonho.
Degrau por degrau você vai conseguindo o que almeja, e, ao ter sua primeira grande chance, ao invés da alegria pela conquista, você é obrigado a lidar com a dor, com o desespero e com o trauma, de ver seu próprio pai assassinado.
Como se não bastasse o momento desgraçado e a obrigação de manter-se em pé trabalhando, surge a necessidade de ajudar mãe e irmãos, que agora, com a morte do pai (e chefe da família), dependem unicamente do seu esforço.
Pode parecer demais para um menino que acabara de alcançar seus 20 anos... E é... Mas a vida não escolhe momento!
Essa triste história pode parecer algo distante da realidade de grande maioria daqui... mas o que poucos sabem, é que essa é síntese da passagem do jovem jogador Arthur pelo Coritiba.
Atleta promissor desde a base, atuou no Iraty, Londrina e Paraná Clube, sempre com passagens de destaque, o que chamou a atenção do Coritiba.
Após um período jogando por empréstimo, o Coxa finalmente assinou um contrato definitivo com o atleta, adquirindo seus direitos federativos.
Porém, quando tudo estava ao feitio para que Arthur deslanchasse em sua carreira (principalmente pelo fato do Coritiba usar um time mesclado na disputa do Paranaense deste ano), a tragédia o fez perder o foco. Mesmo com todo o apoio da comissão técnica e sua própria vontade (e necessidade) o futebol de qualidade que o notabilizou como atacante não aparecia.
As vaias da torcida começaram a ficar freqüentes, o que, para um menino de 21 anos, era algo difícil de lidar... Somando-se tudo isso à carga emocional que já lhe pesava os ombros, Arthur não teve forças para reagir.
No dia 31 de março, após o Coritiba vencer o Arapongas por 3 a 2 em um jogo onde o time todo não foi bem, mesmo tendo feito o primeiro gol alviverde na partida, Arthur foi muito vaiado pela torcida. Após o apito final, já com o vestiário quase vazio, lá permanecia Arthur... Copiosamente chorando, desmoronando... Era o ápice de um momento de dor, angústia e insegurança. Era o menino frágil surgindo por detrás da imagem incólume de jogador de futebol.
Uma vez ouvi um ditado: “Se o final feliz não aconteceu, é porque a história ainda não acabou!”. E como numa verdadeira história de superação, quando a torcida já não lhe depositava mais esperanças, Arthur entra ao final de um jogo importantíssimo, a estréia do Coritiba no Campeonato Brasileiro, em casa, contra o melhor time do país.... E entra justamente para marcar o gol da vitória!
Em meio a euforia do estádio pela vitória, uma cena quase passou despercebida: Arthur homenageava seu pai, erguendo a camisa do Coxa e mostrando uma outra, com a foto daquele que tanto o incentivou em seu início de carreira.
É... muitas vezes xingamos, vaiamos, protestamos e fazemos do nosso “direito de torcedor” uma bandeira. Mas também esquecemo-nos que, por trás daquelas “peças” que ali estão tecnicamente articulando um sistema tático em campo, existem pessoas, seres humanos, com seus anseios, medos e fraquezas.
Esquecemo-nos que a carreira do jogador de futebol é sempre curta e precoce, e muitos daqueles que são alvos da nossa análise fria e estritamente técnica, são na verdade, crianças. Crianças que não só escondem seus sentimentos ainda infantis, mas como trazem um déficit cultural e emocional condizente com a pobreza que via de regra fazem parte de seu berço.
Os altos salários, o prestígio e a superexposição escondem sentimentos, escondem almas... E nos cegam muitas vezes.
Arthur não foi o primeiro a sofrer anonimamente em meio à incompreensão da multidão nas arquibancadas... E certamente nem será o último. Mas que valha tudo isso para uma reflexão: Há muito mais do que se vê dentro de campo, e às vezes, podemos ajudar muito mais do que nossa consciência de torcedor imagina.
Um abraço!!
Luiz Berehulka
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