2017, a história era mais ou menos assim. Faltava um minuto para o campeonato acabar. Se a gente fizesse um gol aqui ou eles levassem lá, estávamos salvos. No segundo caso, só teríamos que manter tudo exatamente do jeito que estava.
Faltavam 10 segundos para o fim do mesmo jogo e do mesmo campeonato. Parecia tudo acabado. Mas, quase como milagre, eles levam um gol por lá. Era tudo que a gente precisava. Bastava seguir assim por poucos segundos e estaríamos livres. Aí veio a Chape e a gente não conseguiu. A esperança não durou mais do que 2 segundos.
A derrota foi dura, mas significou muito mais do que perder. Estávamos rebaixados. Para quem não acompanha o futebol, é quase como morrer por um ano ou pelo tempo que você permanecer na divisão de baixo. Já faz tempo que a vida é dura para muita gente e que os jogos de domingo são um sopro de alegria e alívio para milhares de pessoas. Sair da primeira divisão é mais do que não ter mais jogos para ir aos domingos. É não ter para onde ir. Tive exatas 7 horas de estrada para refletir sobre isso, eu precisava voltar para casa.
Posso estar soando dramático demais, mas o futebol é mesmo passional. É puro drama, por isso encanta. Para alguns, é mero esporte. Para outros é como uma vida, uma torcida constante por um fio de esperança. Espera-se por 90 minutos por um lance que faça o jogo valer a pena. É como um dia comum, em que a gente acorda, escova os dentes e encara um porção de atividades tediosas simplesmente por acreditar na vida e naquilo que faz ela valer.
O sorriso, a conversa, a risada e o abraço são momentos que duram uma mínima fração, mas que valem para sempre. Como o gol e a vitória do time para quem se torce. São fragmentos que nos enchem de esperança. Ficar sem jogos aos domingos é ficar mais esvaziado dela.
A história já pode parecer difícil até aqui. Mas piora. O rebaixamento não durou apenas um ano, não conseguimos voltar. A cada ano em que se permanece na divisão de baixo, o poço fica proporcionalmente mais fundo. Não bastasse isso, neste ano, o maior herói da história do clube morreu. Todo dia era dia de derrota.
Os jogos, que antes reuniam milhares, chegaram a flertar com as centenas. As arquibancadas esvaziavam-se como a esperança dos olhos de quem tinha aquele clube como paixão de uma vida. Era difícil acreditar em uma virada.
2019, a história é mais ou menos assim. Bastava não levarmos um gol por lá e estava tudo resolvido. O empate nos colocava de volta ao lugar de onde nunca deveríamos ter saído.
Viajamos mais de 2.000 km para estar lá. Era melhor que não tivesse jogo. 0 a 0 e pronto. Todos iam para casa felizes. Era só segurar o resultado, como dois anos antes. Aí veio o Vitória.
Mais uma vez, levamos o gol que não poderíamos levar. Havia tempo para virar a partida. Mas como falar de esperança para quem foi tão traído por ela?
A posição do torcedor é a mais ingrata. Você quer vencer e chutar para o gol, mas não tem pernas, nem braços, nem corpo. No jogo, o torcedor é somente alma. Tem apenas voz e presença. Empurra a bola no grito. Você já tentou mover um objeto de lugar apenas com a sua voz? Parece difícil? Agora tente imaginar o que significa fazer isso, sabendo que algumas das coisas mais importantes da sua vida dependem disso.
Mas a gente moveu, não sei explicar como, mas aconteceu. A gente gritou e a bola entrou. Não apenas uma, mas duas vezes. Pelos pés do herói mais improvável, um jogador que nunca joga.
No primeiro jogo do campeonato morre nosso maior ídolo. No último, somos salvos por um desconhecido. Wanderley, de uma hora para outra, se tornou gigante. Incorporou o espírito das milhares de almas que lhe empurravam das arquibancadas, dos sofás das casas, das guaritas das portarias e do céu. Acabou. De tanto perder, era difícil acreditar que dessa vez a gente ganhou.
Final de jogo. A história é assim, estamos de volta e os domingos também. Há gente na rua. Há orgulho na criança. Há futebol. Há esperança.
Há também um longo caminho até chegar em casa. Com este sentimento, te digo que voltaria até a pé.
Talvez você pense que eu esteja exagerando. É apenas futebol, certo?
Mas o que seria da vida sem exageros?
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)