Sociedade Anônima do Futebol
Por: João Carlos Sihvenger
Na última sexta-feira (17), o editor do COXAnautas, Ricardo Honório, e o jornalista Rogério Scarione, conversaram com o Senador Carlos Portinho, relator do projeto "Sociedade Anônima do Futebol". Na entrevista que durou pouco mais de meia-hora, o parlamentar brasileiro explicou em detalhes sobre a SAF, a colocando como a tábua de salvação para os clubes de futebol do Brasil, tanto para a equalização de suas dívidas, como também para atrair investidores.
Confira o resumo da entrevista:
O que é SAF e como ficará a administração do futebol a partir da SAF?
Se formos olhar para as últimas finais de Copa do Mundo, com exceção da Argentina, todas últimas finais foram dominadas por seleções europeias, isto é, países que adotaram modelos com governança, com gestão, têm alcançado melhores resultados. O Brasil, com a ausência de um marco legal, não atraía investidores que permitissem a capitalização e financiamento num clube. Os modelos com governança, com gestão, alcançam melhores resultados.
Partindo deste contexto, nasceu, então, o projeto por iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco. Os modelos propostos nessa lei são tanto modelos de governança quanto de gestão, subordinados a conselhos profissionais, que irão cobrar a execução dos investimentos, dos negócios e de suas metas.
Haverá o levantamento dos passivos e ativos para que haja a transformação e a partir daí a atração de novos investimentos para o futebol brasileiro. A ideia é sair do modelo associativo, no qual os dirigentes não têm responsabilidade sobre as dívidas feitas e vão acumulando, na maioria das vezes para as gestões seguintes. A adoção do modelo é facultativa, mas o projeto obriga a uma gestão profissional do futebol. Não será a salvação do futebol brasileiro, e sim uma gestão profissional, que pode levar ao êxito ou não. É importante lembrar que este modelo não é para todos os clubes, e deve ser feito de forma bem pensada. O Cruzeiro é um exemplo de aplicação do modelo, que está mais adiantado, pois era a única solução para o clube. Por outro lado, muitas agremiações, ao contrário, implementaram associações civis; como o Flamengo, que possuía uma dívida impagável (1 bilhão de reais) e após 8 anos conseguiu pagar, outro exemplo é o Atlético Goianiense, para o qual faltam apenas 6 processos para sanar suas dívidas, o CSA é mais um que conseguiu liquidar sua dívida e agora se prepara para virar uma SAF. A ideia é também trazer o torcedor de arquibancada, não só sócios, para atrair investimentos. Com a implantação da SAF, os clubes que apareciam somente nas páginas esportivas, agora estarão, também, nas páginas de economia.
O Art. 2º da lei 14193/2021 traz três opções para transformação em SAF: Qual a diferença entre os três incisos?
O primeiro deles trata da transformação total, e é voltado para clubes que só tem a prática do futebol. Diferente do caso do Coritiba, com aproximadamente 20.000 sócios.
No segundo modelo há uma migração da atividade de futebol, como um ativo, para a SAF e o clube vai deter a participação acionária na SAF. Uma vez SAF, os investidores, que não precisam ter ligação nenhuma com o clube, serão procurados, sejam eles grandes redes atacadistas, varejistas e investidores de mercado, estes terão no torcedor um ativo do clube, ofertando algum tipo de produto ou serviço destinado especialmente à torcida alviverde.
O terceiro modelo trata do caso em que a SAF seja formada do zero, como por exemplo o Azuriz.
Os exemplos citados como modelos, da Inglaterra e da Alemanha, como também o modelo da Itália (Milan) que recebeu um investidor chinês e depois teve que entregar para um investidor americano. Também o modelo da China, (com empresas adquirindo os clubes) onde essas empresas estão fechando. Como evitar problemas semelhantes e como os clubes podem lucrar através da SAF?
Trazer empresas de consultoria em investimento é vital para não repetir os mesmos erros. Uma empresa de mercado reconhecida para montar essa modelagem, como exemplos de Cruzeiro e Vasco, que estão conversando com a XP Investimentos. Existe muito dinheiro no mundo, a dívida dos clubes brasileiros é grande, porém se transformada em euros ela não assusta o investidor. O futebol gera receitas, ano após ano, a premiação da Copa do Brasil, o Campeonato Brasileiro, campeonato da Série B que se tornou atrativo também, isto é, a democratização do futebol brasileiro com equipes tomando lugar de outras na Série A, então o produto se valoriza, os clubes conseguem formar atletas e vendê-los, como exemplo, o Vinícius Jr., do Flamengo, que foi vendido por 40 milhões de euros, ou seja, um dinheiro que resolve a dívida da maioria dos times brasileiros. Neste exemplo, em vez de somente o empresário ganhar dinheiro, o clube pode ganhar também, com suas ações.
A má gestão já vem trazendo danos ao futebol brasileiro, por exemplo, o Figueirense, que está em recuperação judicial, e, assim como ele, vários clubes do futebol brasileiro podem quebrar. No exemplo da Itália, a participação acionária mudou de mão. No caso do Brasil, o clube social vai ser preservado, e ainda mais especificamente no caso do Coritiba, ele vai licenciar a sua marca para a SAF, não vai ceder em definitivo. Mesmo que, se não der certo, o clube terá a sua marca preservada e terá a palavra final (golden share). O modelo atual proposto tem um mecanismo de preservação, no caso de uma possível “troca de mãos”.
No futebol inglês, há exemplo de que os investidores (compradores) passaram as dívidas pessoais e das empresas para o clube, o que torna o clube o maior devedor do mundo. Isso na SAF brasileira é impossível?
A SAF no Brasil já nasce recebendo uma grande dívida, portanto o modelo proposto contempla reverter parte dos recursos para o pagamento da dívida.
No caso específico citado na pergunta, o clube tem um conselho, que, dentro de regras de governança, compliance, deve evitar estes mecanismos.
Qual a vantagem os clubes vão ter em relação às dívidas tributárias, com a implementação da SAF?
Voltando ao caso do Vinícius Jr., dos 40 milhões de euros da venda, 20% seriam destinados a pagamento das dívidas trabalhistas e tributárias. A lei da SAF prevê o prazo de 6 anos para pagamento de 60% da dívida, e mais 4 anos para o pagamento do restante. Supondo que o clube caia para a série B, pode usar os instrumentos de mercado para alongar a dívida, pode mudar o credor e alongar por mais 5 ou 10 anos.
Na verdade, o clube pode planejar melhor o tempo para quitar seus débitos, e vale também para as dívidas tributárias. Clubes que foram excluídos do Profut, é admissível a transação tributária. Como no caso do Cruzeiro, que achou melhor uma transação tributária do que aderir ao Profut. Na hora da entrada do investidor, há possibilidade de negociação para a diminuição deste passivo, para que a longo prazo, o clube encaixe o pagamento de suas dívidas.
Em relação à tributação corrente, a tendência é que o clube pague mais impostos do que hoje, porém, terá mais instrumentos de mercado para se capitalizar, o que o clube como associação civil não tem hoje. Buscou-se um tratamento similar ao que uma associação civil paga hoje, com a diferença de que o clube vai pagar imposto sobre outras alíneas que não paga hoje, como por exemplo: sócio torcedor, transação de atletas. A lei tem tributação sobre receitas, mas não como é numa empresa que paga 34% sobre o lucro. O imposto não será sobre o lucro, mas sim sobre a receita corrente.
Após a implantação da SAF, a disparidade no futebol brasileiro aumenta ou tende a diminuir?
Tende a diminuir quando houver o ingresso de novos recursos, que atualmente não estão circulando, e, a partir do momento em que os clubes possam se reestruturar e ter a capacidade de investimento, isso vai refletir naturalmente em melhorias. O exemplo maior é o Flamengo, que fez o dever de casa com uma gestão empresarial e, após 4 ou 5 anos pagando dívidas, passou a recuperar sua capacidade de investimento. A SAF com uma boa gestão faz com que o clube possa investir mais na formação do seu elenco; prova disso é o Palmeiras, o Atlético MG. Uma gestão profissional vai proporcionar uma capacidade melhor de investimento, que pode se refletir na melhoria das divisões de base, por exemplo, o que, no futuro, pode gerar novos talentos e mais divisas, além de permitir que o clube possa contratar dois ou três jogadores de melhor performance para qualificar seu elenco. O importante é dizer que quem recuperou sua capacidade de investimento nivelou-se por cima, porque hoje os clubes estão tão nivelados por baixo, devido às dívidas e más gestões.
A SAF permite que credores se transformem em investidores?
A SAF trouxe alguns mecanismos aceleradores. Uma das alternativas atuais, por exemplo, é o ato trabalhista. Quem achar melhor ir para execuções judiciais pode ir, quem achar uma outra alternativa pode, também se beneficiar.
O que se vê é que a fila de credores é similar a uma fila de precatórios, quem estiver na fila tem o direito de negociar (vende para um banco por exemplo). O que se quer é que os atletas que são credores de dívidas trabalhistas recebam o que lhes é de direito, essa dívida deve ser paga. Existem atletas no Rio de Janeiro que estão há 15 anos na fila para receber, esperando que as receitas sejam suficientes para receberem. Uma alternativa seria, em vez de esperar muitos anos para receber 10 milhões, por exemplo, por que não receber 5 milhões de forma mais rápida, ou até imediata e não ficar tanto tempo numa fila? Outra hipótese: se ele não aceitar, vai negociar com um banco por exemplo; o clube me ofereceu 5, mas vendo pra você por 7 e você fica no meu lugar na fila. Então essas são as alternativas. Também tem a opção de transformação da dívida em ações da SAF, proposta que conta com o apoio de todos os sindicatos de atletas do Brasil. Se há 8 anos eu fosse credor do Flamengo e o clube tivesse virado SAF na época, quanto valeriam hoje minhas ações? Talvez até mais do que o crédito que tinha na época. Essas são as alternativas de mercado.
Os altos salários pagos atualmente foram levados em consideração na elaboração do projeto, visto que grande parte da dívida dos clubes decorre destes altos salários?
A questão do salário é uma questão de mercado e da proteção que um clube tem em relação ao assédio do próprio mercado. Isso realmente é causa do grande endividamento dos clubes, portanto, foi levado em consideração sim. Mas acreditamos que com uma gestão responsável, as loucuras atuais, como, por exemplo, trocar de técnico quatro vezes numa temporada, não vai mais acontecer, e isso está fora do plano de investimento a ser seguido, assim sendo, a SAF levará a uma gestão profissional responsável.
A SAF não fará milagres se a gestão não for boa.
Trata-se de uma transformação cultural, por exemplo, o conselho de beneméritos do Vasco, durante anos, contribuiu para aumento da dívida do clube. A dívida dos clubes é grande porque muitos imaginaram que fossem donos, por política, vaidade etc. O clube é o patrimônio do torcedor, não só daquele que contribui pagando a mensalidade de sócio, mas sim de quem está na arquibancada, que, muitas vezes, contribui muito mais com o clube, e que está alijado do processo de eleição de diretoria etc., O que ele quer é poder ajudar o clube. Por exemplo, o Flamengo, com 40 milhões de torcedores, uma debenture de 1 real, daria uma captação de 40 milhões de reais. Esses torcedores compram a camisa, compram o ingresso. Lembrando que o gestor será fiscalizado por um órgão de mercado, a CVM.
Os vetos do Presidente da República atrapalharam na elaboração do texto final?
Não, o veto principal derrubado foi aquele que trata da tributação específica. Foi demonstrado que para o governo seria bom e para a SAF também. A tributação permanece em 4% da receita líquida e atinge um percentual maior após 5 anos, mecanismo encontrado para dar tempo ao clube a não ficar comprometido com uma carga tributária maior.
Como foi o processo de votação da SAF? Os parlamentares entenderam os objetivos do projeto?
Obteve aprovação quase por unanimidade, alguns queriam entender melhor, devido à transformação cultural. Foi explicado que não era para todos os clubes do Brasil, mas, sim, para aqueles que montarem seus negócios para se tornar atrativos no mercado. Na Câmara, o projeto também passou. Alguns votaram contra porque queriam uma maior participação do torcedor na SAF, mas foi esclarecido que o torcedor terá participação se quiser, a lei não obriga. Enfim, passou sem dificuldade tanto na Câmara como no Senado. Sem SAF, o que temos hoje? Os mesmos receios e medos. O mercado vai dizer qual a porcentagem de ações a SAF vai ter, o importante é que um profissional do mercado vai gerir bem melhor do que um dirigente de clube. A expectativa é que no futuro o torcedor será o grande investidor do fundo de ações que vai controlar o clube. O investidor será atraído no Brasil, porque o futebol brasileiro dará resultados.
O modelo de governança será, por exemplo, como o do Borussia Dortmund (Alemanha), onde 60% dos investidores são os torcedores?
Devemos entregar ao livre mercado, cada clube vai buscar, pode até acontecer o modelo 50+1, mas existem alternativas, o mercado vai dizer como será, o banco, o grande atacadista, até oportunidade para novos negócios como bitcoins. Todas as alternativas estão na mesa. Grandes empresas como a XP, Pactual, grandes bancos. Pode acontecer que haja uma participação societária e evolua para uma participação menor, porém, com um ganho melhor, um resultado melhor. Existem mecanismos de proteção, por exemplo, no mercado de acionistas, enfim o mercado é quem vai dizer qual a melhor porcentagem.
Se fosse sócio do Coritiba, votaria sim para a SAF?
Na situação em que está, com a dificuldade de encontrar novas receitas, votaria SIM, mas que seja com uma boa estruturação. Se não fosse sócio, mas torcedor de arquibancada, não importa quem vai ser o gestor, o que eu iria querer é que o clube tivesse capacidade de investimento, pagasse suas dívidas, conseguisse formar um melhor elenco. Dessa forma, o torcedor de arquibancada terá um clube mais qualificado, que dará alegrias e ele, que pode ser um futuro investidor.
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)